Penélope e os pretendentes, John William Waterhouse, 1912 –
Foto: Wikimedia Commons
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Trabalho da disciplina de Seminário de Temas Filosóficos, apresentado pela aluna Ana Idalina Carvalho Nunes ao professor Mário José dos Santos, como requisito parcial para a obtenção do bacharelado em Filosofia pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) no ano de 2011.
RESUMO
O presente artigo pretende refletir sobre o modelo grego de educação implantado por Sócrates,
Platão e Aristóteles, abrindo parênteses para o papel da mulher como educadora dentro da família
e para o olhar filosófico sobre a sua contribuição dentro da sociedade grega.
Palavras-chave: Educação. Filosofia. Mulher.
1. UM OLHAR GERAL SOBRE A PÓLIS
Esse estudo traz uma reflexão acerca do entendimento grego de educação, bem como
sobre a contribuição da mulher como educadora e como cidadã grega. Como base para a
pesquisa, foi consultada a obra dos filósofos clássicos, Sócrates, Platão e Aristóteles, filósofos
que colocaram a educação como eixo central para a construção de uma sociedade justa e de uma
melhor formação humana. O objetivo da presente pesquisa é apresentar as raízes da educação que
hoje se faz no Brasil, o papel da família e da mulher no contexto educacional da época,
ressaltando a atualidade do pensamento dos filósofos clássicos gregos.
A filosofia nasceu do espanto dos seres humanos com as coisas que os rodeavam e com a
ordem do universo. Assim, no seu início, a pergunta central que os filósofos se faziam era: Como
explicar o universo? Como poderia explicar-se que o cosmos era o resultado do caos, da
desorganização? Como acontecera a organização e o ordenamento de tudo o que existe? Levando
em conta o tipo de questionamento que movia tais filósofos, eles foram chamados de cosmólogos
ou físicos. A cosmologia pensava a natureza e o universo em que tudo era ordenado e ligado
harmonicamente. Foi apenas com o surgimento dos sofistas, que a filosofia grega começou a dar
um enfoque na perspectiva humana. Sabemos, por exemplo, que os sofistas foram educadores
profissionais. Eles traziam teorias sobre o sentido e o valor de educar, ainda que seus principais
escritos não tenham chegado até nós (Platão, Hípias Maior 282b-c). Os filósofos gregos do
período clássico deram, de forma quase unânime, importância singular à educação; foi com
Sócrates, Platão e Aristóteles, na proporção em que o espanto com o caos do universo passou a
um segundo plano, que surgiu o espanto diante da desorganização da sociedade. As questões
passaram então a ser outras: “Por que o homem vive um caos? Como ordenar o mundo humano?
Naquele momento, a filosofia passou a se envolver com o estudo e com a crítica daquela
realidade, buscando um ideal de uma sociedade, justa e também utópica. A Apologia de Sócrates
apresenta, com clareza, a crítica socrático-platônica à pólis grega. Sócrates diz que existe,
naquela sociedade, uma grande contradição entre o homem justo e a prática política, e que
nenhum homem justo consegue permanecer vivo, se decidir se dedicar e tratar dos negócios
públicos. De acordo com Sócrates, a política ateniense está em contradição com a justiça e esse é
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o motivo por que transforma a esfera política em uma luta de interesses, onde os valores da
verdade e da moralidade são ignorados e perdem a sua objetividade.
A práxis pedagógica da filosofia de Sócrates, Platão e Aristóteles traz a fundamentação da
ciência em benefício da política e das instituições públicas e - a um mesmo tempo - a base firme
que sustenta esta política e estas instituições é também a educação. Para os filósofos clássicos
gregos, a educação se apresenta como a mediação entre teoria e prática e, a partir dessa mediação,
é que a formação humana e a construção da justiça social são capazes de solucionar o problema
de uma sociedade e de uma política degeneradas. A educação é, assim, o meio pelo qual a
sociedade política pode construir justiça social e realizar a melhor formação humana. Segundo
Aristóteles, quando a sociedade se descuida da educação dos jovens, esta sociedade torna-se, no
futuro, vulnerável aos problemas provenientes desse erro. Platão insiste, em A República, que a
educação dos jovens é a questão central da sociedade política e não admite o paradigma
educacional proposto pelos gregos, que não está baseado em um ideal de perfeição e de
orientação à juventude. Segundo Platão, somente através da educação é que torna-se possível
formar os homens para a construção de justiça na sociedade. A partir disso, conclui-se que a
educação é a questão principal para a sociedade política.
2. A MULHER E A EDUCAÇÃO DAS CRIANÇAS EM SÓCRATES E PLATÃO
Como uma das primeiras precauções que se deve tomar na educação das crianças,
Sócrates recomenda que sejam escolhidos, com muita diligência, os relatos de fábulas inspiradas
por musas que as crianças costumam escutar desde a mais tenra idade. A preocupação tem sua
justificativa no que se refere ao ato de educar: selecionando os relatos que as crianças vão ouvir,
se pode permitir apenas, diz “Sócrates”, os relatos que contenham as opiniões que os construtores
da pólis julgam convenientes para formar as crianças. Não se deve permiti que sejam narradas às
crianças, por exemplo, as principais fábulas que têm sido utilizadas para educar todos os gregos,
os poemas de Homero e Hesíodo, uma vez que afirmam valores contrários àqueles desejados
como predominantes na nova pólis. Segundo Sócrates, esses relatos, cheios de mentiras, não
representam os deuses e heróis com clareza, e estão povoados de personagens que pregam valores inversos àqueles com os quais se pretende educar os guardiões. Desta forma, o que se pretende é
eliminar a injustiça da pólis, diz “Sócrates”, e para isso é necessário mudar os textos com os quais
se tem educado sempre na Grécia. E antes de discutir para escolher os relatos que substituirão os
tradicionais, Sócrates afirma que se deverá ser extremamente cuidadoso na escolha dos textos
com os quais as crianças entrarão em contato em primeiro lugar. Ele dá a seguinte razão:
“E bem sabes que o princípio de toda a obra é o principal, especialmente nos mais
pequenos e ternos; porque é então quando se forma e imprime o tipo que alguém
quer disseminar em cada pessoa. (A república II 377a-b). Os primeiros momentos
são os mais importantes na vida, diz “Sócrates”. Por isso não se permitirá que as
crianças escutem os relatos que contêm mentiras, opiniões e valores contrários aos
que se espera deles no futuro. Porque se se pensa a vida como uma sequência em
desenvolvimento, como um devir progressivo, como um fruto que resultará das
sementes plantadas, tudo o que venha depois dependerá desses primeiros passos.
As marcas que se recebem na mais tenra idade são “imodificáveis e incorrigíveis”
(378e). Por isso deve-se cuidar especificamente desses primeiros traços, por sua
importância extraordinária para conduzir alguém para a virtude (ibidem).
A proposta de Sócrates é a de que a educação aplicada na formação dos guardiões seja a
mesma que se aplica para educar os gregos: a ginástica para o corpo, a música para a alma
(376e). As crianças devem ser educadas, em primeiro lugar na música e, logo depois, na
ginástica. A educação deve se iniciar na infância, pois é nessa fase que se imprime o caráter
desejado para uma pessoa, quando esta se tornar adulta. Além da ginástica e da música, o
currículo que constituía a verdadeira Paidéia platônica incluía algumas ciências, como afirma o
filósofo:
[...] desde crianças [...] devem aplicar-se à ciência do cálculo, da geometria e a
todos os estudos que hão-de preceder o da dialéctica, fazendo que não sigam
contra- feitos este plano de aprendizado.[...] quem é livre não deve aprender
ciência alguma como uma escravatura. E que os esforços físicos, praticados à
força, não causam mal algum ao corpo, ao passo que na alma não permanece nada
que tenha entrado pela violência. [...] Por conseguinte, [...] não eduques as
crianças no estudo pela violência,mas a brincar, a fim de ficares mais habilitado a
descobrir as tendências naturais de cada um (A República Cf. Id. Ibid., 536 d -
537 a)
Em muitos dos primeiros diálogos de Platão, Sócrates conversa com jovens; ele afirma, na
Apologia, que - para ele - é a mesma coisa conversar com pessoas de diversas idades (33a). No
entanto, Platão não destinou – nos projetos educativos de A República e de As Leis nenhum lugar
especial para o diálogo filosófico com jovens. Ao invés disso, em A República, Platão propõe
apresentar impedimento para que os jovens não tenham contato com a dialética. Platão afirma
que, aos guardiões, desde a infância, devem ser ensinados cálculo, geometria e toda a educação
propedêutica. E que essa primeira educação da alma deve ser lúdica, espalhada entre os jogos - e
não forçada, pois nenhum saber permanece nela por força. Completados os 30 anos, alguns serão
escolhidos, entre os mais aptos, para serem postos em contato com a dialética; mas não sem
antes adverti-los dos perigos dela, já que os jovens de Atenas têm como hábito utilizá-la como
um jogo, de forma leviana, apenas para contradizer, sem acreditar firmemente em ideia alguma,
desacreditando-se a si mesmos e à filosofia.
Toda a descrição da educação superior dos guardiões, que se inicia na infância, é uma
maneira antecipada do que é apresentado no livro VII, em A República, na alegoria da caverna.
Platão supõe que alguns homens habitavam numa caverna apenas com uma entrada para a luz, e
eles viviam acorrentados desde a infância, de forma que não podiam mover-se, eram obrigados a
permanecer no mesmo lugar. Só conseguiam observar algumas sombras de transeuntes refletidas
pela luz de uma fogueira que queimava a distância. Se, por um acaso, um dos prisioneiros
conseguisse soltar-se e ascendesse à entrada da caverna, certamente estranharia a luz e sentiria
dor nos olhos. Maior impacto sentiria ao contemplar o Sol. Pois bem, se o prisioneiro, que
conseguiu sair da caverna, resolvesse voltar à mesma para tentar convencer os outros de que o
que veem no seu recinto são apenas sombras, provavelmente, causaria risos; e, se conseguissem
soltar-se, não o matariam? Ressalte-se, porém, que a finalidade do filósofo da Academia
mediante a imagem da caverna é pôr em evidência a formação do homem. Platão está tentando
resgatar a pólis grega, e isso só é possível através de uma educação adequada. Para ele, a
educação não é o pensam que é.
A educação seria, por conseguinte, a arte desse desejo, a maneira mais fácil e mais
eficaz de fazer dar a volta a esse órgão [olhos], não a de o fazer obter a visão, pois
já a tem, mas, uma vez que ele não está a posição correcta e não olha para onde
deve, dar-lhes os meios para isso.( A República, 518d.)
O prisioneiro da caverna é, então, o homem no estado de ignorância, é o que não olha na
direção correta. Como inferir, a partir da imagem do mito da caverna, uma educação reformadora
em Platão? A experiência do prisioneiro na caverna mostra o que significa um processo educativo
capaz de levar o homem à sua verdadeira condição. A educação é justamente essa atitude de
forçar o homem a subir degraus sempre mais altos. Por isso, o prisioneiro, ao sair da caverna, ou
melhor, ao deixar o estado de ignorância, poderia sentir dor, e o deslumbramento fatalmente iria
impedi-lo de olhar fixamente os objetos que ele via apenas em sombra no passado. Desta
maneira, resgatar o prisioneiro da caverna seria formá-lo para viver na sociedade. Deve-se
observar que para Platão a educação é um processo que dá consciência social aos membros da
comunidade, ensinando-os a responder a todas as demandas da vida coletiva. Porém, para realizar
tal finalidade, o processo educativo, além de ser sucessivo, é muito longo, e não deve terminar
com o início da vida adulta, deve ser uma sequência de estágios que todos possam ser capazes de
percorrer. É imprescindível ainda destacar que esta formação inclui não só a instrução, mas
também a educação no sentido moral, nos termos que, perceber a cidade organizada num sentido
macro, significa também construir, em sentido micro, o Estado dentro de cada um.
3. A EDUCAÇÃO E A FAMÍLIA EM ARISTÓTELES
Quanto a Aristóteles, o que se sabe de seu pensamento acerca da educação está nos seus
textos Ética a Nicômaco e Política. No primeiro livro, Aristóteles fala dos princípios da educação
dos cidadãos e menciona o ensino particular; na Política, desenvolve mais a sua teoria,
examinando mais demoradamente o ensino dos jovens, dando ênfase no ensino público para
todos. Aristóteles pode ser considerado o médico da educação, por ter tido a necessidade de
formular uma teoria de caráter fisiopedagógico, de maneira metódica e profunda, mostrando-se
mais realista do que Platão, seu mestre. De maneira contrária a Platão, Aristóteles especificou e
concretizou a noção de felicidade como objetivo principal de sua teoria política e pedagógica. Em
Aristóteles, o valor pedagógico da contemplação da virtude torna-se um habito que supera o
racionalismo socrático; e a virtude, quando associada às noções do fazer e do agir, é uma das
noções mais fundamentais da educação no âmbito de uma pedagogia ativa, o que ainda nos dias
de hoje constitui o objetivo principal da reflexão pedagógica.
A família desempenha um papel considerável na educação dos filhos, segundo
Aristóteles. Na Ética a Nicômaco, o filósofo se refere à educação familiar e privada, lançando
um questionamento acerca do tipo de formação que a educação deve proporcionar: se ela deve
visar apenas a formação de homens de bem ou se deve constituir um objeto de funcionamento
político.
Para Aristóteles, a educação privada e familiar devem depender do ensino público e para
todos, que deve ter a seu cargo a educação – em sua finalidade geral e também no que se refere à
criação do programa de estudos. O Estado, com a ajuda dos pais, deve tentar obter a realização do
bem político por intermédio da educação familiar, privada e pública. A educação familiar é
imprescindível: o pai representa a fonte de vida para os filhos, aquele que garante o alimento e a
formação educacional. A mãe, ao lado do pai, proporcionam a afeição e o amor incondicional aos
filhos, considerando-os como a sua continuidade natural. Assim, o filho é visto pela família
como um indivíduo, e esse filho recebe da família cuidados minuciosos e especiais – de forma
contrária à educação pública, que apenas traçará o quadro geral dos conhecimentos que ele
deverá adquirir. Se o legislador pretender que os corpos das crianças sejam melhores, desde o
princípio de suas vidas, ele deve se ocupar da união conjugal e definir em que época da vida a
pessoa deve se casar, como também deve determinar a pessoa com quem se deve
casar, analisando o tempo que essas pessoas viverão e passarão juntas para o resto de suas vidas,
também cuidando do aspecto da diferença de idade entre pais e filhos (para não haver uma longa
distância de idade entre eles, ou – o contrário – para que a idade de pais e filhos não seja pequena
demais, o que prejudicaria a relação de respeito e obediência dos filhos para com os pais).
Aristóteles diz que é possível determinar o estado físico dos filhos que vão nascer através de uma
medida preventiva que estabelece como limite de idade para a capacidade de procriar, setenta
anos para os homens, e cinquenta anos para as mulheres. Segundo ele, a idade ideal para a mulher
se casar é de dezoito anos e para os homens esta idade é de trinta e sete anos (ou menos). Fala
ainda do momento em que a união deve acontecer, quando se tem o objetivo de produzir cidadãos
biologicamente saudáveis: no inverno. Aristóteles também faz reflexões médico-pedagógicas no que concerne às mulheres grávidas: elas devem cuidar de seus corpos, fazer ginástica e alimentar-se adequadamente, além de procurar ter um dia-a-dia calmo, para garantir que a criança cresça
saudável em todos os aspectos: físico e emocional.
Cabe ao legislador, segundo Aristóteles, tomar conhecimento de que as crianças, logo
depois de nascidas, têm na alimentação rica um ingrediente fundamental na formação de corpos
robustos. Para o filósofo, a iniciação progressiva das crianças no conhecimento é considerada da
mais alta importância. Não se deve, definitivamente, segundo Aristóteles, impor algo a crianças
com idade igual ou menor a cinco anos, não se deve utilizar a força para induzi-las a alguma
atitude, como também não se deve submetê-las a exercícios pesados, pois isso atrapalha o
desenvolvimento de seus corpos. O que se deve fazer é acostumar seus corpos ao movimento,
afastando-os da preguiça e, para conseguir isso, o legislador deve promover o jogo dentro de uma
programação familiar correta e sadia. Aristóteles, como também Platão, considera o jogo de alta
importância na iniciação de crianças na vida política do Estado.
De acordo com o filósofo, os períodos de instrução, segundo a idade, são:
➢ 1º período - procriação/período pré-natal (0 a 9 meses);
➢ 2º período – nutrição
- bebê: até a idade de 01 ano;
- pequena infância: criança de 02 até 05 anos;
- primeira infância: criança de 05 a 07 anos
➢ 3º período - educação
- infância: idade de 07 a 14 anos;
- Adolescência: idade de 1 a 21 anos;
➢ 4º período - maioridade - a partir dos 21 anos.
Enfim, pode-se dizer que Aristóteles foi um grande incentivados da educação liberal –
mas esta educação estava ao alcance apenas dos cidadãos livres, o que restringe essa educação
aos homens apenas. No que se refere à educação das mulheres, ele nada esclarece, embora dê
indícios de que aprecia a contribuição das mulheres dentro das famílias e também na vida da
pólis.
4. QUEM ERA A MULHER GREGA NO PERÍODO CLÁSSICO DA FILOSOFIA?
Ao realizar um resgate histórico da presença das mulheres na história da filosofia,
percebe-se que a figura do feminino é discutida por meio de um sujeito que não é o que a
representa, mas sim outro sujeito: o sujeito masculino. Mesmo assim, este discurso é sempre
evitado no campo filosófico. Os escritos de Platão remetem à necessidade de inclusão da mulher
no funcionamento da pólis. Para o filósofo, a mulher deve receber a mesma educação ministrada
ao homem, qual seja, o ensino da música, ginástica e também da guerra. A cidade idealizada
por Platão responsabiliza a mulher pelo
funcionamento da pólis, e ainda garante ao sexo feminino
a igualdade de condições na organização social, política e econômica da cidade-estado. As idéias
de Platão sobre o aproveitamento do potencial feminino demonstram a preocupação do filósofo
em manter a independência da pólis, principalmente com relação aos que exigiam grandes
quantias por seus serviços na defesa da cidade. Note-se que a cidade-estado grega do século IV
sofre com a perda constante de seus cidadãos nas guerras. Os resultados aparecem nas
dificuldades políticas tanto internas quanto externas, agravadas pela falta de dinheiro. Platão
mostra-se preocupado com a escassez de cidadãos, e a solução encontrada pelo filósofo é fazer
com que homens e mulheres partilhem o dever de zelar pelo funcionamento da cidade-estado. No
pensamento platônico, as mulheres gregas devem ser educadas nas mesmas condições que os
homens, “terem em comum as habitações e as refeições, sem que tenham qualquer propriedade
privada, estarão juntos, e, ficando misturados, quer nos ginásios, quer no resto da sua educação,
creio que por uma necessidade natural serão compelidos a unirem-se entre si”. As palavras do
filósofo demonstram a separação social dos espaços dedicados ao homem e à mulher. E
acrescenta que “é preciso que os homens superiores se encontrem com as mulheres superiores o
maior número de vezes possível, e inversamente, os inferiores com as inferiores, e que se crie a
descendência daqueles, e a destes não”. Platão pretende a formação de uma elite governante,
gerada a partir de famílias especiais que respondam pela produção de governantes.
A cidade de Aristóteles segue as leis da natureza, o homem une-se à mulher, obedecendo as
regras naturais da reprodução; um não pode existir sem o outro, pois deve haver a continuidade
de ambos os gêneros. A superioridade do cidadão do sexo masculino lhe confere a autoridade
suprema sobre os demais membros da sociedade. Aristóteles vê, na convivência entre a
comunidade das mulheres e a comunidade dos homens, um dos elementos de tensão dentro da
sociedade. A solução para o impasse encontra-se na educação das mulheres e dos filhos
segundo a forma de Governo, Aristóteles lembra que as mulheres constituem a metade das
pessoas livres da cidade, portanto, uma cidade que não controla suas mulheres tem meia cidade
fora do domínio das leis. A lei é, assim, a substância espiritual comum da sociedade, expressa sob
forma concreta, atuando como força coesiva e reúne o poder soberano da sociedade comandada
por homens cidadãos socialmente aceitos.
6. MULHER, FAMÍLIA E EDUCAÇÃO: DA GRÉCIA CLÁSSICA AOS DIAS DE HOJE
Embora muito se fale do papel irrelevante e do menosprezo com que se refere à mulher na
filosofia grega clássica, é possível afirmar com segurança que tal opinião não se baseia numa
visão abrangente, que considere o contexto histórico e os diversos aspectos da representação
feminina dentro da sociedade. A importância da mulher grega estava fundamentada no
desempenho de seu feminino papel de estruturar emocionalmente a família, cuidando da
educação dos filhos e administrando o lar. Comparando a contribuição da mulher grega com a
contribuição que o homem grego oferecia à pólis, pode-se conseguir respostas diferentes, que
dependem do ponto de vista com que se analisa a questão. Sob o ponto de vista masculino, o
papel da mulher pode parecer, realmente, menor: é o homem quem toma as decisões, quem tem
voz perante o Estado; enquanto a autoridade da mulher se restringe ao lar, que é um mundo
limitado a alguns metros quadrados, com uma voz ouvida apenas pelos filhos e, de forma
inexpressiva, pelo marido. Entretanto, sob o ponto de vista pedagógico, a mulher tem nas mãos
não só o destino dos filhos, como também o controle do homem – através de uma dominação
sutil, silenciosa e eficaz. A maior diferença entre o homem e a mulher não está escrita em leis, não se restringe a direitos e deveres – a diferença maior está na estrutura emocional, psicológica e
mesmo física, e não há como mudar isso. Uma orquestra só existe em função da diversidade de
instrumentos – uns maiores, com som mais forte; outros menores, com som mais delicado. Mas é
na combinação dos sons desses variados instrumentos que a orquestra consiste, é na aceitação dos
papéis variados e no respeito a cada um em especial, que se consegue a harmonia. É claro que,
tanto em Sócrates e Platão como em Aristóteles, a mulher é considerada menos importante do
que o homem, mas isso ainda acontece nos dias de hoje, depois da mulher ter conquistado o
direito à cidadania, ocupando altos cargos políticos e movendo a economia do mundo através do
seu trabalho.
No aspecto pedagógico, embora a educação pública para todos tenha se tornado uma
realidade, a desagregação do núcleo familiar - fenômeno do século XXI, como também o
pensamento racionalista, acabaram deturpando o conceito de educação semeado no período
clássico da filosofia grega. Não há mais um legislador a intervir no núcleo familiar para garantir
que as crianças nascidas venham a ser cidadãos garantidores de uma “sociedade ideal” . Nos dias
atuais, a Constituição da República garante, através do parágrafo 7º do artigo 226, que “a família,
base da sociedade, tem especial proteção do Estado.”
§ 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade
responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado
propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada
qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas. (Constituição do
Brasil) .
Assim, o legislador não mais influencia na formação familiar, como na pólis grega. A
constituição garante a liberdade de cada cidadão planejar sua família, e o Estado os ampara,
oferecendo os recursos para garantir a educação e a saúde dos filhos. Não obstante aos direitos
adquiridos, entretanto, os homens se desviam de seus deveres e desamparam as crianças, levando
a sociedade a viver o caos que se pode assistir hoje em toda parte, bastando ligar a televisão ou
acessar a internet para tomar conhecimento de um mundo que deixa a todos inseguros e
temerosos do futuro. A ideia de Aristóteles de dar início à educação e à formação do homem
antes mesmo de seu nascimento – dentro do útero materno, prestando atenção até mesmo nos
relatos que as crianças em tenra idade ouviam, educando através da música e da ginástica,
preocupando-se em manter o corpo das crianças e jovens em movimento para não predispor os mesmos à preguiça – todas essas precauções, embora trouxessem o inconveniente da intervenção
do Estado na organização familiar, consistiam num planejamento consciente de uma educação
que não estava restrita ao espaço escolar, tampouco aos ensinamentos gerais que tinham por
objetivo preparar o jovem para atuar politicamente na pólis. A educação tinha um sentido mais
amplo, e o papel da família era fundamental nesse aspecto.
Talvez a falência da educação atual
tenha uma das principais causas no esfacelamento da estrutura familiar. A falta de planejamento
familiar, o exercício precoce da sexualidade entre os jovens, aliados a uma ausência de Deus –
que leva à divinização de símbolos materiais - são outros tantos fatores que contribuem para a
ineficácia do sistema educacional na atualidade. O que se pode fazer para que a educação
prepare os jovens de hoje para a formação de uma sociedade justa? Entendendo que a história
vem sendo construída e escrita pelos homens ao longo dos séculos, talvez seja preciso, para
responder a esta questão, que os homens aprendam a dividir o poder com a mulher, talvez seja
preciso que os homens aprendam a ouvir a mulher e, acima de tudo, que percebam que a idéia de
superioridade e inferioridade é apenas manifestação de uma tola vaidade. Para o perfeito
funcionamento da máquina que move o mundo, cada peça é importante e indispensável. Qualquer
valoração de relevância da individualidade é utópica e denota a ignorância de uma mentalidade
que não tem mais espaço num século em que “parceria” é a palavra de ordem.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARISTÓTELES. Política. Tradução, Introdução e Notas de Mário da Gama Kury. Brasília:
Editora da UNB, 1997.
______. Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 2003.
DANNER, Leno Francisco. “Pensando sobre educação e política: Sócrates, Platão e Aristóteles,
ou sobre as bases da educação ocidental – Uma contribuição para o caso brasileiro”. In:______.
SABERES.Revista de Filosofia e Educação, Natal – RN, v. 2, n.5, ago. 2010.Disponível em:<
http://www.cchla.ufrn.br/saberes> Acessado em: 05/07/2011.
PLATÃO. Apologia de Sócrates. tradução de Jean de Melville. São Paulo: Martin Claret,
2006.
______. A República. Tradução de Leonel Vallandro. Rio de Janeiro: Editora Globo, [s. d.].
______. As leis.
Para fazer o download do artigo completo em PDF, com todas as notas de rodapé e formatação original, acesse o site:
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