sexta-feira, 21 de junho de 2019

O SER HUMANO E O CONHECIMENTO EM ARISTÓTELES

Recorte feito na obra do renascentista italiano, Rafael Sanzio, intitulada “Scuola di Atene”.


            Embora tenha iniciado seus passos na Filosofia sob a influência de Platão,  Aristóteles criou uma Filosofia diferente, fundada na vida terrena,  tendo na felicidade  um bem a que o homem tem direito em vida – e não somente depois da morte do corpo, conforme a doutrina de Platão. Aliás, são vários os pontos em que Aristóteles discorda de Sócrates e de Platão, a começar pela ideia de alma que, para Aristóteles, é a atualidade primeira de um corpo orgânico que tem vida em potência, é a essência do corpo. Para Aristóteles, o homem é uno: corpo e alma são  uma só coisa e constituem o vivente.  A alma não existe sem o corpo, mas também não é o próprio corpo, mas algo do corpo. Para Platão, pelo contrário, a verdadeira felicidade só é possível no mundo das ideias, no Hades, sendo o corpo uma espécie de prisão, um castigo que impede o homem de atingir a verdade. Aristóteles, pela sua visão una do corpo e alma, apresenta uma filosofia que, ao invés de distanciar o homem da vida social, da vida em família, aproxima-o das situações comuns do cotidiano,  permite sua experiência através dos sentidos, tirando do corpo o estigma de “coisa ruim”. Diferentemente de Sócrates e Platão, o homem para Aristóteles é "um animal social”, o que faz com que a  união entre as pessoas  - seja por laços de amizade, de amor ou de família - seja vista como coisa natural, porque o homem é um ser  que necessita de outras pessoas para alcançar a sua plenitude.
            Aristóteles afirma, acerca do conhecimento, que este sem a experiência leva ao erro, ressaltando que,  muitas vezes,  aquele que tem a experiência é  mais capaz de acertar do que aquele que detem apenas o conhecimento teórico. É claro que ele complementa seu raciocínio explicando o porquê de o saber ser superior à experiência: por ser capaz de apresentar as causas. Entretanto, a forma como aborda a importância da experiência,  especialmente nos dois trechos a seguir:

 1º) "Todos os homens tendem por natureza a saber. É indício disto o gosto pelas   sensações, pois estas, seu proveito à parte, agradam por si mesmas" (onde aponta o gosto pelas sensações como indício da natureza humana que busca o saber);

2º) a ciência e a arte são nos homens o resultado da experiência, pois a  experiência fez a arte e a inexperiência o acaso” (trecho onde Aristóteles aponta a experiência como causa da arte e da ciência)  

como também a maneira como aborda a relação  entre sensação e experiência,  leva a inferir que ele pode querer dizer que o homem precisa experimentar a vida e sentir os sentidos, para adquirir efetivamente o saber. E esse “experimentar a vida”, através das sensações, dá margem para uma ampla interpretação. Para experimentar a vida, porém,  Aristóteles recomenda que é preciso saber a medida certa de tudo, do uso dos sentidos, da escolha dos caminhos que se pretende trilhar para atingir a felicidade. E na busca da felicidade muitos se perdem. Os mais grosseiros buscam-na nos prazeres mundanos, os homens mais refinados buscam-na nas honras - que são o objetivo da vida política, mas os sábios buscam-na na virtude. E o que é a virtude? Para Aristóteles, “a felicidade é a virtude da melhor parte de nós”, e o intelecto é essa melhor parte, o que nos leva a concluir que a felicidade perfeita é aquela que se baseia no conhecimento.
            Alguns podem até mesmo alegar que os ignorantes, as pessoas muito simples que não têm conhecimento sequer de si mesmos, são comumente mais felizes, justamente por não terem noção do mundo que as rodeia. Mas é uma tese frágil que pode ser facilmente desmontada, se observarmos o pânico das pessoas ignorantes diante do desconhecido, de catástrofes, de imprevistos, além da necessidade que tais pessoas têm de um ponto de apoio – seja ele a religião, a tradição, um modelo de comportamento que as oriente.  A felicidade não é um estado permanente de alegria, mas a clareza de consciência que o homem tem de si mesmo  diante do misterioso universo, da  imprevisibilidade da vida, da ausência de verdades absolutas e de paradigmas norteadores para a existência humana. Sendo assim, o homem que busca constantemente o conhecimento, vai adquirindo segurança para caminhar sem a necessidade de saber o que existe adiante, mas caminhar orientado pela vontade de saber. Por isso ele não teme, porque o tesouro do saber “por si” vale a incerteza do caminho.
          O intelecto é o que nos aproxima do sublime, do imortal, e esta é uma razão mais que suficiente para que o homem viva segundo o intelecto, baseando sua vida no conhecimento, sendo o melhor que consiga ser. Concordo com o pensamento de Aristóteles porque, se os homens tendem - por natureza- a saber, a busca do conhecimento é a sua verdadeira identidade. E essa busca de conhecimento, quando se dá sem outra finalidade, a não ser o “sab*er por si”, é prazerosa, traz bem-estar.    Da mesma forma como um rio não atinge a plenitude se desviarmos o curso de suas águas, da mesma maneira que uma semente tem dificuldade de germinar sob uma pedra, também o homem não consegue ser pleno desviado de sua identidade. E se o intelecto é a melhor parte do homem e a felicidade é a virtude da melhor parte de cada um de nós, então – fica claro - a felicidade é a virtude do intelecto.          
             Portanto, felizes os que saem da escuridão  – mesmo quando a escuridão parece um bem e os protege dos monstros que ainda não conhecem – porque é na luz que o homem adquire o comando de sua própria vida, a coragem para caminhar incansavelmente, questionando e buscando soluções para as suas dúvidas. Ainda que não encontre as respostas que espera, é no árduo caminho da pergunta que o intelecto produz os milagres da ciência e da evolução humana. Filosofia é o saber por si.

*Texto produzido durante o 1º período de Filosofia (UFJF, 2010).  Trabalho da disciplina de Antropologia Filosófica I, apresentado ao professor Juarez Sofiste, pela aluna Ana Idalina Carvalho Nunes.

COMO CITAR (de acordo com as normas da ABNT): 


NUNES, A. I. C. O ser humano e o conhecimento em Aristóteles. Artigos de Filosofia. Juiz de fora, 21 jun. 2019. Disp. em: artigosfilosofia.blogspot.com/2019/06/o-ser-humano-e-o-conhecimento-em.html . Acesso em: (data do acesso).






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