sábado, 7 de abril de 2018

HOMENAGEM PÓSTUMA AO PROF. MÁRIO JOSÉ DOS SANTOS

     Por Ana Idalina Carvalho Nunes
                                       Foto  de 2010, no ICH antigo da Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF. 
 Prof. Mário José, Catarina, Idalina, Belzinha, Ana Paula, Bia, Stella e Luciana.

Recebi há pouco a notícia de que partiu, professor Mário. De princípio, emudeci, foi como se morresse também a temporalidade e até os pássaros se calaram. Olhei para o céu: estava azul intenso, todo enfeitado de nuvens brancas, arredondadas. Agora, passadas algumas horas, as lágrimas se atrevem a descer do meu rosto, não lágrimas de dor, mas de gratidão, de reconhecimento,  de uma emoção suave e uma espécie de conforto por saber que estará bem, seja como for depois da morte. Lembrei de todas as vezes que subi de carona com você naquele fusquinha amarelo, você sempre passava por volta de 7:50 pela Olegário Maciel. Íamos conversando e, quando chegávamos no ICH antigo, você parava o carro antes para entregar a marmita do "Costela". Você amava o Costela e ele te amava. Aliás, professor Mário, me diga (talvez ainda não consiga dizer, talvez nada disso faça mais sentido pra você agora): quem conseguiria conviver com você sem amá-lo? 

Semana passada estive no ICH novo e quis subir ao quarto andar do bloco C pra rever a sala que ocupou depois que fomos para o prédio novo. Professor Mário, está exatamente como a deixou! Nada saiu do lugar, até a sua coleção de corujas continua na estante! A sua sala era o nosso ponto de encontro, íamos à coordenação, na maioria das vezes, só pra te ver e dizer bom dia. O seu jeito formal era a embalagem de um homem tão nobre e tão bom! 

Lembro de quando, já no quinto período de Filosofia, eu passei por uma grande dificuldade financeira, que colocava em risco até mesmo a minha permanência no curso, já que me deslocava semanalmente da minha cidade de Cataguases para estudar em Juiz de Fora. Confidenciei isso a você e conseguiu pra mim uma bolsa de assistente da coordenação. Mais do que a ajuda financeira que me permitiu concluir o curso, a sua atitude me mostrou o grande amigo que estava ali diante de mim.

Professor Mário, quando recebi a notícia de sua partida, através do professor Luciano Camerino, me vieram à mente as suas aulas, especialmente "A apologia de Sócrates", na parte final, onde ele fala sobre a morte. Reproduzo abaixo, como homenagem a você, uma pequena passagem daquele texto,  grande mestre e amigo. Saiba que você é imortal,  para sempre. Você não foi só um professor e coordenador, você foi verdadeiramente o nosso Mestre, aquele que apontou o caminho, aquele cuja humildade o coloca entre os grandes filósofos.  A Belzinha, que estava aí nessa foto, foi antes de você e, se ela tinha tanta pressa, é porque deve ter algo de muito bom depois da morte, porque ela era alegre e gostava de viver com prazer. 

Vá em paz, professor. Você estará sempre vivo em cada um de nós. Espero, sinceramente, que ao encontrar Sócrates e os outros aí, envie o meu abraço de admiração. 

Apologia de Sócrates
Capítulo XIX
[...] Porque morrer é uma ou outra destas duas coisas: ou o morto não tem absolutamente nenhuma existência, nenhuma consciência do que quer que seja, ou, como se diz, a morte é precisamente uma mudança de existência e, para a alma, uma migração deste lugar para um outro. Se, de fato, não há sensação alguma, mas é como um sono, a morte seria um maravilhoso presente. Creio que, se alguém escolhesse a noite na qual tivesse dormido sem ter nenhum sonho, e comparasse essa noite às outras noites e dias de sua vida e tivesse de dizer quantos dias e noites na sua vida havia vivido melhor, e mais docemente do que naquela noite, creio que não somente qualquer indivíduo, mas até um grande rei acharia fácil escolher a esse respeito, lamentando todos os outros dias e noites. Assim, se a morte é isso, eu por mim a considero um presente, porquanto, desse modo, todo o tempo se resume a uma única noite. Se, ao contrário, a morte é como uma passagem deste para outro lugar, e, se é verdade o que se diz que lá se encontram todos os mortos, qual o bem que poderia existir, ó juízes, maior do que este? Porque, se chegarmos ao Hades, libertando-nos destes que se vangloriam serem juízes, havemos de encontrar os verdadeiros juízes, os quais nos diria que fazem justiça acolá: Monos e Radamante, Éaco e Triptolemo, e tantos outros deuses e semideuses que foram justos na vida; seria então essa viagem uma viagem de se fazer pouco caso? Que preço não serieis capazes de pagar, para conversar com Orfeu, Museu, Hesíodo e Homero? Quero morrer muitas vezes, se isso é verdade, pois para mim especialmente. a conversação acolá seria maravilhosa, quando eu encontrasse Palamedes e Ajax Telamônio e qualquer um dos antigos mortos por injusto julgamento. E não seria sem deleite, me parece, confrontar o meu com os seus casos, e, o que é melhor, passar o tempo examinando e confrontando os de lá com cá, os últimos dos quais tem a pretensão de conhecer a sabedoria dos outros, e acreditam ser sábios e não são. A que preço, ó juízes, não se consentiria em examinar aquele que guiou o grande exército a Tróia, Ulisses, Sísifo, ou infinitos outros? Isso constituiria inefável felicidade. Com certeza aqueles de lá mandam a morte por isso, porque além do mais, são mais felizes do que os de cá, mesmo porque são imortais, se é que o que se diz é verdade 

Um comentário:

  1. Seu texto reflete um pouco do gigante que é o Professor/Amigo Mário José. Sua sensibilidade o traz de volta em cada palavra. Nosso amado amigo é eterno.

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Foto de 1920. Autor desconhecido.  Fonte:    http://www. intermedi a. uio.no/ariadne/Kulturhistorie/bilder/arnold-van-gennep        ...