1. História e etnologia
(1920)
O autor inicia seu texto ressaltando o objetivo de destacar a importância da etnologia,
no referente ao aspecto de contribuir para o progresso da História, colocando em foco a aproximação dessas duas áreas a partir de 1910, a década que antecede a
escrita da obra em questão (1920). No período mais
remoto, a antropologia era vista sob o ponto de vista do evolucionismo e o
trabalho do antropólogo era, através da análise dos diferentes povos estudados,
chegar a uma explicação única, regida pelas mesmas leis. Ou seja, acreditava-se
que o processo de formação desses povos fosse o mesmo, independente do espaço
geográfico ocupado. E essa suposição
tornava-se mais forte através das
tentativas de mostrar que existiam também razões psicológicas
que funcionavam como lei
universal na constituição da mente humana.
Dentro desse mesmo pensamento,
supunha-se que depois da “dispersão original da humanidade”, com a evolução
independente dos vários tipos de homem, que partes isoladas de terra tenham interrompido
sua comunicação umas com as outras, o que promoveu a separação e diferenciação
de culturas. Olhando tal situação pelo viés psicológico, supunha-se que essa separação de povos tenha
se dado em razão da uniformidade da mente humana, que se organizou socialmente, religiosamente e
materialmente, respeitando as similaridades
das mentes. Ou seja, o que a teoria evolucionista
defendia era que, em tempos muito remotos, diferentes grupos
humanos, partindo de uma condição de
total carência de cultura, evoluíram em
todas as partes do planeta de um mesmo modo. Essa evolução similar se deu,
segundo o evolucionismo, pelo caráter de unidade da mente humana, como
consequência similar a estímulos externos e internos. De acordo com esse
pensamento, a história cultural está fundada em uma unidade psíquica através da
qual todos os grupos humanos de todas as
partes seriam dotados do mesmo potencial de desenvolvimento evolucionário,
embora existissem alguns com maior nível de evolução que outros, o que poderia
acontecer por causa do clima, do solo, enfim, de fatores externos ao próprio
homem.
A grande crítica de Rivers ao
evolucionismo referia-se à maneira simples como explicava a expansão da
cultura. Segundo ele, “muitos costumes que antes eram considerados como
produtos de um simples processo de evolução dentro de um povo isolado, de fato
tem atrás deles uma história longa e tortuosa” (p. 241) que o etnólogo tem que
desemaranhar. Ele dá o nome de “escola
histórica de etnologia” a essa nova antropologia, ressaltando que, diferente
dos alemães, os ingleses não são oponentes da evolução, mas da apresentação
como simples de algo que é extremamente complexo. Em outras palavras, Rivers e os outros
antropólogos difusionistas criticavam
a unilinearidade, não concordavam com a reta constante e
ascendente cultural que era apresentada e defendida pelos evolucionistas para
explicar a expansão da cultura. Diferente do evolucionismo, o difusionismo
via a cultura como um mosaico de traços
adquiridos de outras culturas, com origens e histórias totalmente variadas.
Rivers explicava semelhanças e diferenças cultural através da combinação de
migrações, adições e mesclas.
O
difusionismo acreditava que as diferenças e semelhanças culturais eram
consequência da tendência humana para imitar e a absorver traços culturais, ao
contrário do que pensavam os evolucionistas que acreditavam que a humanidade
possui uma "unidade psíquica". Origem do conceito de área cultural:
teve sua origem nas exigências práticas da investigação etnográfica americana.
Foi elaborada como um instrumento para classificar e representar
cartograficamente os grupos tribais.
Rivers apresenta a necessidade de
o etnógrafo desvendar a história de povos que não possuem documentos
escritos sobre sua história, cujas tradições orais aparecem tão misturadas com
o traço mítico, a ponto de se tornar difícil distinguir o grau de sua
historicidade. (p. 242).
A partir de então ele passa a falar
de seu livro, intitulado História da
Sociedade Melanésia, onde ele desenvolveu um método de levantamento
histórico de costumes e instituições que formavam a cultura social do povo que
ele pesquisava. Segundo ele, foi através do estudo da cultura melanésia que ele
conseguiu subsidiar sua ideia estrutura
social como organização dual. Segundo Rivers, “Nesta forma de sociedade a
comunidade está dividida em duas metades que permanecem numa tal relação uma
com a outra que um homem de uma metade é compelido pelo costume social a casar com uma mulher da
outra, as crianças da união pertencendo à metade da mulher” (p. 243). Dada esta
estrutura social mais simples, a cultura melanésia foi assumindo
outros elementos mais complexos
que, estudados historicamente, permitiram a compreensão da cultura melanésia
como se apresentava na época em que Rivers desenvolveu seu estudo.
Entre os recursos utilizados por ele
para guiar sua pesquisa na Melanésia, Rivers cita o princípio da distribuição comum, o da conexão orgânica e um terceiro que, na verdade, é apenas extensão
do segundo: associação de classe . O
primeiro deles é aplicado quando o etnólogo encontra elementos de determinada
cultura associados com um outro
elemento, isso em várias localidades investigadas. Quando isso acontece, o fato
é usado para fundamentar a atribuição de costumes associados, instituições e
objetos materiais a uma cultura. Já no caso oposto, quando não há uma conexão
entre os elementos de uma cultura com outro elemento qualquer, pode-se dizer
que esta associação “ existiu em alguma
parte e alcançou pela transmissão seu
presente lugar”. (p. 245).
Já o princípio da conexão orgânica, é aplicado, segundo Rivers, “quando dois elementos de cultura são encontrados estreitamente associados a outro formando partes constituintes de uma organização”.( p. 246). Neste caso, acredita-se que eles são pertencentes a uma mesma cultura. Finalmente, o princípio da associação de classe se refere às situações em que algumas classes sociais ou seções da comunidade são constituídas por representantes ou descendentes de colonizadores de fora.
Já o princípio da conexão orgânica, é aplicado, segundo Rivers, “quando dois elementos de cultura são encontrados estreitamente associados a outro formando partes constituintes de uma organização”.( p. 246). Neste caso, acredita-se que eles são pertencentes a uma mesma cultura. Finalmente, o princípio da associação de classe se refere às situações em que algumas classes sociais ou seções da comunidade são constituídas por representantes ou descendentes de colonizadores de fora.
De acordo com Rivers, qualquer dos
três princípios acima expostos, analisado isoladamente, acaba, fatalmente,
sujeito a exceções. Entretanto, quando os três apontam para um mesmo foco,
torna possível uma afirmação com alto grau de confiabilidade, de que elementos
associados de cultura foram introduzidos ali “por um único e mesmo povo”. (p.247).
A partir deste ponto de sua apresentação, Rivers apresenta uma situação
hipotética que visa ilustrar a linha de pensamento do método que visa
considerar a história na análise da constituição de cultura dos povos,
mostrando o quanto, comumente, as hipóteses do etnólogo podem ser confirmadas
pela pesquisa histórica. (p. 253)
É importante, segundo Rivers,
observar que o ponto de vista da história que está ligado à etnologia, difere
do sentido da disciplina que leva este nome. Em primeiro lugar essa diferença
está refletida no “caráter generalizado, impessoal e, em muitos casos abstrato,
quando comparado com a concretividade da
história que se baseia em documentos literários”. (p. 255). Outra diferença reside
na natureza da sua cronologia, já que a metodologia da análise etnológica relaciona-se com a cronologia
relativa, totalmente diferente da cronologia numérica ou absoluta. No método
etnológico, segundo Rivers, a ordem cronológica não se refere a apresentar
números exatos, dados exatos matematicamente, mas sim de dizer o que veio antes
e o que veio depois, ou, nas palavras de Rivers, o etnólogo “ficaria satisfeito se conseguisse atingir conclusões que o
habilitassem a dizer que uma influência ou forma de costume ou instituição
precedeu ou sucedeu a outra na ordem do tempo”.(p. 256). E, para identificar
essa ordem cronológica dos fatos, os vestígios literários são de fundamental
importância para identificar, por exemplo, se uma instituição apareceu numa
determinada sociedade como influência de outra que existiu mil anos antes ou
depois de um certo dado cronológico. De acordo com Rivers, a cronologia marca o
caráter de inexatidão que “deve ser sempre uma característica da
história”(257-258).
2. A unidade da antropologia (1922)
Nesta seção da obra “A antropologia de Rivers”, seu organizador, Roberto Cardoso de
Oliveira, apresenta praticamente a
íntegra do texto apresentado por Rivers
na conferencia presidencial realizada no Royal
Anthropological Institute of Great Britain and Ireland, em 1922. Rivers
apresenta a importância de o pesquisador perceber a relação íntima que existe
entre os ramos diversos da antropologia, formando uma unidade. De acordo com
ele,
É uma característica das sociedades mais
simples da terra que, apesar de ser possível distinguir em suas culturas os
diferentes aspectos que rotulamos de sociais, políticos, econômicos,
religiosos, estéticos, etc., estes aspectos são tão interdependentes, as
funções sociais de diferentes espécies tão estreitamente relacionadas, que é
inútil esperar entender qualquer setor da cultura sem um estudo extenso de
outros setores, os quais têm ou parecem ter uma sociedade, tal como a nossa, um
grau muito maior de independência. Ninguém pode esperar fazer mais do que um
trabalho etnográfico de segunda linha numa sociedade simples, se especializar
seus interesses e limitar sua atenção a um aspecto qualquer da vida do povo que
está estudando. (p. 264).
Ou seja, para estudar um
determinado aspecto de um grupo, é preciso compreender esse grupo no seu sentido
histórico e amplo, compreender outros aspectos e outros processos, já que
entende-se que estão todos interligados. De acordo com Rivers, a chave da solução de um problema pode
aparecer num contexto de perguntas e respostas que aparentemente nada têm a ver
com esse problema. Ele frisa também a
questão da unidade da antropologia em conexão com seu sentido histórico e,
segundo ele, o que voltou sua atenção para esse foco foi o estudo das
sociedades humanas, levando-o a constatar que a unidade é característica
necessária da sociedade, qualquer que ela seja, podendo mesmo esta unidade
social ser comparada à unidade de todas as partes que compõem o organismo vivo,
na promoção da integridade e harmonia desse organismo (p. 265).
Em sua proposta de
demonstrar a unidade que existe entre os diversos ramos da antropologia,
Rivers aponta, como a área da
antropologia mais intrinsecamente ligada à história, a arqueologia. Tratando-se
do estudo de objetos manufaturados, monumentos e inscrições do passado, arqueologia e história, juntas, podem
contribuir grandemente para o conhecimento da história remota da humanidade,
frisa ele. O grande problema que existe
é que muitas vezes etnólogos e antropólogos agem como se não houvesse ligação
alguma entre o trabalho que um e outro desempenham e, para contribuir para a
mudança desta situação, é que a comunicação é apresentada no congresso em que
está inserida (p.267-268).
Rivers, num determinado
ponto da comunicação, passa a abordar a importância da psicologia nas pesquisas
arqueológicas. Segundo ele,
Deve sempre ser lembrado que um aspecto da
cultura humana, que talvez seja o mais importante – o psicológico – a evidência
fornecida pela arqueologia deve ser sempre deficiente. Monumentos, mesmo quando
providos de inscrições, nunca podem dar qualquer evidencia, senão indireta e
incompletas, das ideias, crenças e sentimentos do povo pelo qual os monumentos
foram construídos ou as inscrições escritas (p. 268).
O que Rivers quer
destacar aqui é que a riqueza da pesquisa, quando compreendida em seus
múltiplos aspectos, quando entendido que esses aspectos são uma unidade, é
que torna-se possível perceber em
monumentos da antiguidade um universo de pesquisa tão rico quanto o
arqueológico. Através do estudo psicológico de
civilizações do passado, por
exemplo, torna-se possível compreender as culturas simples de raças selvagens e
bárbaras do presente e por meio do estudo psicológico do indivíduo torna-se
possível entender reações e caminhos tomados pelos grupos sociais (p. 270-271).
Numa etapa final de sua
comunicação, Rivers aborda outros dois
ramos importantes da antropologia: a filologia e a somatologia, destacando a
visão que Malinowski sobre o entrelaçamento do estudo da língua com aspectos
diversos da herança social. De acordo com Rivers, o estudo da língua passa a
tomar um rumo mais produtivo e importante quando se deixa de dirigir a atenção
para a forma e arranjo de palavras entre diferentes povos, para dar maior
atenção “à relação com os resultados do estudo da fala por outros métodos e
especialmente pelo método da patologia” p. 272). Ele então comenta a história
de um oficial que teve um ferimento em seu córtex cerebral e que, em razão
disso, perdeu sua capacidade de diferencias as cores. O interessante é que ele
conseguia associar objetos que tinham cores iguais, passando a ter um padrão
cognitivo semelhante à de alguns grupos mais primitivos. (p. 273). Ele destaca
a escassez de estudiosos que se dedicam à somatologia, mesmo diante do fato de
a coleta de dados nesse campo da pesquisa serem tão fáceis de conseguir,
diferentemente de outras áreas (p. 275).
Ele finaliza,
demonstrando sua grande preocupação em oferecer subsídios para que mais jovens
fossem atraídos para os estudos antropológicos, frisando ser este
“um campo que tem necessidade tão urgente de trabalhadores”(p. 277)
Texto analisado:
RIVERS, W.H.R. (1920) "História e Etnologia",
(1922) “A unidade da Antropologia”. In: OLIVEIRA, R.C. de (org.) A Antropologia
de Rivers. Campinas, Ed. UNICAMP, 1991, pp. 239-277.
*Trabalho de Teoria Antropológica apresentado à professora dra. Rogéria Dutra, do PPGCSO/UFJF, pela mestranda Ana Idalina Carvalho Nunes (2015)
CITAR COMO:
NUNES, A. I. C. Sobre a obra "A antropologia de Rivers". In; Artigos de Filosofia. Juiz de Fora, 10 jul. 2019. Disponível em:https://artigosfilosofia.blogspot.com/2019/07/sobre-obra-antropologia-de-rivers-org.html Acesso em: (data de acesso)
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