sexta-feira, 21 de junho de 2019

A SÍNTESE DO CORPO PRÓPRIO - uma breve análise do capítulo quarto de "Fenomenologia da Percepção" de Maurice Merleau-Ponty


                                                                       Por Ana Idalina Carvalho Nunes*

Photograph of Maurice Merleau-Ponty}} |Source=http://www.philosophical-investigations.org/Users/PerigGouanvic/
Merleau-Ponty_and_the_Post-Modern_Non-Self |Author=http://www.philosophical-investigations.org/Users/PerigGouan

            Merleau-Ponty, no quarto capítulo de “Fenomenologia da Percepção”, fala do corpo que não é objeto; um corpo que é no tempo, no espaço e no movimento, sem ser a somatória de partes. É uma “síntese corporal”, ou seja, é um modo de unidade que não está sujeito a uma lei externa ao corpo. Esta síntese corporal torna possível a percepção daquilo que é oculto nos objetos e no próprio corpo. De acordo com Merleau-Ponty, na página 207, “Não traduzo os “dados do tocar” para “a linguagem da visão” ou inversamente; não reúno as partes de meu corpo uma a uma; essa tradução e essa reunião estão feitas de uma vez por todas em mim: elas são meu próprio corpo.” A unidade no corpo próprio quer dizer, com isso, afirmar que o corpo é um feixe de relações de existência, de sentidos que são ressignificados a todo momento, sendo que esta significação e também os sentidos novos que surgem dessa atualização existencial não são resultantes da acumulação de informações, mas de uma reconfiguração e atribuição de sentido dessas informações.
            Então, o visível e o invisível se relacionam numa reciprocidade visceral, não numa espécie de acumulação ou soma de partes objetivas e materiais, nem numa síntese abstrata de consciência transcendental. A linguagem poética não nos leva às representações absorvidas de sua concretude sensível, mas ao próprio movimento de um corpo que se faz pensamento e de um pensamento que se faz corpo. Merleau-Ponty, na página 209, segue com seu raciocínio, explicando que, da mesma forma como a fala não é significada só pelas palavras, mas também pelo sotaque, tom, gestos e fisionomia, assim também a poesia, sendo narrativa e significante, é também, essencialmente, uma modulação da existência. “Ela se distingue do grito porque o grito utiliza nosso corpo tal como a natureza o deu a nós, quer dizer, pobre em meios de expressão, enquanto o poema utiliza a linguagem, e mesmo uma linguagem particular, de forma que a modulação existencial, em lugar de dissipar-se no instante mesmo em que se exprime, encontra no aparato poético o meio de eternizar-se”. O poema, como qualquer obra de arte, existe como coisa e não subsiste pra sempre à maneira de uma verdade. De acordo com Merleau-Ponty, existe um entrelaçamento e, neste entrelaçamento não existe sentido no dualismo entre o corpo e a consciência, intelecto e percepção, sentido e forma expressiva. E, da mesma maneira que um poema existe como uma forma encarnada no contexto de sua expressividade, o nosso corpo existe e se exprime na sua esfera mais vital.
            Em outras palavras, é como  se houvesse a consciência de uma unidade de existência, em vez de uma “soma de sensações” que proporcionaria somente o saber em fragmentos, uma soma de partes do corpo. Na verdade, o saber que temos do nosso corpo é uma totalidade: o meu corpo inteiro se polariza numa ação e, para que isso aconteça,  é necessário que eu mova vários músculos a um mesmo tempo,  sem me preocupar em pensar  qual músculo eu movi. Há um entrelaçamento das diferentes partes do corpo.
            Finalizando, Merleau-Ponty  compara, na página 112,  o olhar com a bengala de um cego: “Com o olhar, dispomos de um instrumento natural comparável à bengala do cego. O olhar obtém mais ou menos da coisas segundo a maneira pela qual ele as interroga, pela qual ele desliza ou se apóia nelas.” E conclui que o nosso corpo não é um objeto do pensamento, mas um “conjunto de significações já vividas que caminha para o seu equilíbrio” .

 * Trabalho da disciplina de Antropologia Filosófica II, apresentada ao professor Juarez Gomes Sofiste, pela aluna Ana Idalina Carvalho Nunes (Graduação em Filosofia UFJF, jun. 2011)

COMO CITAR (de acordo com as regras da ABNT)


NUNES, A. I. C. O ser humano e o conhecimento em Aristóteles. Artigos de Filosofia. Juiz de Fora, 21 jun. 2019. Disponível em: https://artigosfilosofia.blogspot.com/2019/06/a-sintese-do-corpo-proprio-uma-breve.html . Acesso em: (data do acesso).







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