Por Ana Idalina Carvalho Nunes*
1. Introdução
O presente artigo tem como objetivo apresentar o desenvolvimento
do mundo moderno a partir do pensamento de Marx, Durkheim e Weber,
período em que a sociologia se definiu de maneira mais clara como ciência que
possibilitaria a solução dos problemas sociais decorrentes da Revolução Industrial.
Visando identificar, tanto a percepção dos três teóricos sobre a modernidade com
suas convergências e divergências, quanto as contribuições do pensamento de cada
um deles para a compreensão do referido período histórico, o breve estudo pretende
apresentar as explicações que cada um deles apresenta sobre as mudanças sociais
e o Estado, para, posteriormente, apresentar as convergências e discordâncias entre
suas ideias.
2. A ruptura, segundo Karl Marx
Buscando romper com a tradição alemã do Hegelianismo, embora utilize suas
ideias como referência, Marx busca, através da clarificação dos totais da sociedade
capitalista, denunciar as estruturas e abrir frestas para a transformação social. Por
ser anterior a Durkheim e a Weber, ele explica as categorias mais complexas da
sociedade, tomando como ponto de partida as categorias mais simples. Sob o
paradigma coletivista, ele aponta as possibilidades do tempo presente como
decorrentes do que se constatou no passado, ou seja, ele assume que as condições
de vida de um grupo de pessoas determinam o seu pensamento e a condição que
essas pessoas venham a assumir. E esses grupos formados pelos indivíduos são
tratados, na teoria de Marx, como categorias representantes de coletivos, classes
sociais.
De acordo com ele, o sistema capitalista se divide, na sua estrutura, em duas
classes que são identificadas através das relações de propriedade. Aqueles que
detêm o capital (propriedade que possibilita a produção de forma geral) integram a
classe capitalista. Quanto aos que possuem apenas a própria força de trabalho para
vender (força de trabalho considerada como mercadoria), formam a classe operária.
Ou seja,
Duas espécies bem diferentes de possuidores de mercadorias
têm de confrontar-se e entrar em contato: de um lado, o
proprietário de dinheiro, de meios de produção e de meios de
subsistência, empenhado em aumentar a soma de valores que
possui, comprando a força de trabalho alheia; e, do outro os
trabalhadores livres, vendedores da própria força de trabalho e,
portanto, de trabalho. Trabalhadores livres em dois sentidos,
porque não são parte direta dos meios de produção (...) e
porque não são donos dos meios de produção (...). O processo
que cria o sistema capitalista consiste apenas no processo que
retira ao trabalhador a propriedade de seus meios de trabalho,
um processo que transforma em capital os meios de
subsistência e os de produção e converte em assalariados os
produtores diretos. A chamada acumulação primitiva é apenas
o processo que dissocia o trabalhador dos meios de produção
(MARX, 2001, p. 828).
Para Marx, o surgimento de uma nova organização social sempre vem de
uma sociedade anterior, origina-se da reorganização de outras sociedades
anteriores, por meio de rupturas muitas vezes violentas. Tal pensamento leva à
ideia de que a sociedade capitalista atual teve sua gênese na feudal e esta em outra
sociedade que, investigadas uma a uma, levam à origem de todas as sociedades.
Segundo Marx (2001, p. 342), sendo a produção para o consumo próprio a
fonte de subsistência dos vassalos de campos da Europa no período feudal, o
processo violento de expropriação desses pequenos agricultores, empreendido
pelos pré-capitalistas, trouxe a acumulação primitiva de capital. A partir de então, os
dois tipos de possuidores de mercadorias citados anteriormente passaram a se
tornar imprescindíveis para o desenvolvimento das relações capitalistas de
produção. Nasceu, assim, um conjunto novo de relações produtivas e de reprodução
da vida humana – numa dinâmica que se apresentava diferente do processo
anterior, quando parte da população não acessava alguns privilégios em decorrência
de situações que envolviam nascimento e família. Nesse novo paradigma, embora
com a permanência da exclusão de uma parte da população no acesso a privilégios,
as pessoas já não eram excluídas em decorrência da família, mas tendo como ponto
de referência as posses acumuladas em termos de capital.
A mercadoria, esse é o elemento principal do sistema capitalista, de acordo
com Marx. Para ele, toda mercadoria é detentora de um valor de uso, quando se
toma como referência o mercado e o valor de troca. Se é útil e desejada, a
mercadoria tem o valor de troca e pode ser permutada por outras mercadorias. As
mercadorias fundamentais são a moeda (o capital) e a força de trabalho (no caso
dessa última, a mercadoria da permuta é o salário). Através da venda de sua força
de trabalho, o trabalhador produz mais valor, o que gera uma contradição
fundamental, já que a força de trabalho pode ser comprada por um valor e chegar a
produzir (valer) mais valor que o pago inicialmente. É a partir dessa contradição que
Marx desenvolveu o seu conceito de mais-valia. Tornando-se generalizada a ideia
de que a base da sobrevivência das populações são as relações mercantis, instaura-se e se firma a necessidade de vender e comprar mercadorias.
De acordo com Marx, a formação e fortalecimento da classe dos possuidores
de terras e capitais na Europa (uma classe pré-capitalista), se deu com base na
expulsão de trabalhadores das suas terras – sem ter mais onde trabalhar e gerar o
seu sustento, eles passaram a buscar trabalho por toda a Europa. Ou seja, um
grande número de pessoas que antes sobrevivia do trabalho em suas próprias
terras, passou a ser obrigado a viver da sua força de trabalho. E foi através desse
processo de troca, em que a compra da força de trabalho tinha um custo menor do
que o valor que gerava, que o lucro passou a ser gerado, bem como a acumulação
de capital. Houve o acúmulo do valor produzido por muitos, nas mãos de poucos.
E o Estado mostrou-se aliado nesse processo de acumulação, servindo como
instrumento de classe, oferecendo financiamentos e participando do processo de
exploração do trabalho e de maximização dos lucros nas grandes potências
industriais. Todo esse processo econômico gera, de acordo com a avaliação de
Marx, a exclusão, a desigualdade e uma injustiça social que, se passar a ser
observada mais minuciosamente, pode chegar a gerar uma nova ruptura na história
humana. Ele previa ali o nascimento de uma sociedade comunista que surgiria da
luta dos trabalhadores, assim como a nova sociedade capitalista nascera da
sociedade feudal. Entretanto, ele destaca que, enquanto a primeira “ruptura” foi
marcada por uma dinâmica violenta de expropriação de muitos por poucos, nesta
nova situação seriam poucos os expropriados pelo grande número de trabalhadores
unidos como classe. A partir de então, o Estado, instrumento de dominação,
deixaria de ser necessário, passando a se desenvolver dentro da sociedade o
individualismo livre do trabalho alienado.
Marx coloca, assim, a necessidade da luta pelos direitos e interesses da
classe trabalhadora e, para que isso se concretize, ele apresenta a importância da
organização em partidos, a partir de sua situação econômica de não possuidores de
propriedade. Ou seja, o elemento que constituirá sua identidade enquanto classe é
essa ausência de propriedade, que fundamenta a sua necessidade de transformar a
sociedade, promover a dita “ruptura”.
Marx, diferente de Weber e de Durkheim, para explicar as condições sociais
do mundo moderno, aponta sempre a “ruptura” como uma necessidade histórica. E
a ciência que ele desenvolve se mostra como preocupada em acabar com a
alienação de uma classe, cujo papel é o de se rebelar e transformar as relações
sociais de produção.
3. As ideias de Durkheim
Importante destacar, já no início desta exposição, a importância da noção
de “estrutura” em Durkheim, apresentando o indivíduo como um ser social, mas não
organizado em classes sociais, como na teoria de Marx. A noção de estrutura em
Durkheim está organizada através dos conceitos-chave de “consciência coletiva” e
“representação coletiva” – conceitos que são o ponto de partida para a compreensão
da teoria elaborada por ele, em que apresenta as especificidades e as justifica como
maneira de validar cientificamente a Sociologia como novo saber que propõe
explicar e compreender a sociedade, em contraposição a outras ciências como a
psicologia, a filosofia e a economia, por exemplo.
De acordo com Durkheim, à medida que a consciência coletiva vai se
vinculando à moral (moral aqui entendida como educação ou outras formas de se
socializar o ser humano), as representações coletivas passam a se conectar à
religião (ao sagrado e profano), às representações e concepções de mundo.
Segundo ele, não é pela soma das partes que a representação e a consciência
coletiva (fatores estruturais da sociedade) são compostas. Para ele, a representação
coletiva não é o resultado da soma de todas as representações individuais; pelo
contrário, as representações individuais se constroem a partir das representações
coletivas das partes. Assim, a objetivação da sociedade em Durkheim se dá através
de um tipo de internalização da consciência coletiva de um determinado grupo
social. Não há uma consciência coletiva única, cada grupo social tem a sua própria
consciência coletiva que, por sua vez, interferem nas organizações sociais, bem
como na maneira individual de seus membros se socializarem entre si.
Também no aspecto da divisão do trabalho, Durkheim apresenta ideias que
se contrapõem ao pensamento de Marx: para o primeiro, a partir da divisão do
trabalho a solidariedade é construída. De acordo com Durkheim, os indivíduos
envolvidos no trabalho significam a divisão do trabalho como uma especialização
fundamental para que a ordem social se estabeleça e se firme e para que também
se instaure a solidariedade orgânica (por consenso). Segundo ele, o único obstáculo
que pode impedir a instauração dessa solidariedade é a divisão forçada do trabalho,
que traz grande prejuízo para a coesão social.
Em sua obra O suicídio, de 1897, Durkheim elabora estudo sociológico em
que testa a sua teoria, realizando uma ampla pesquisa quantitativa sobre o suicídio,
buscando provar que o suicídio, ou mesmo as razões que levam uma pessoa ao
suicídio não são de natureza individual, mas de natureza sociológica. Em seu outro
livro, publicado em 1912, As formas elementares da vida religiosa, considerado o
seu mais importante livro, Durkheim elabora uma teoria geral da religião partindo de
análises centradas nas instituições religiosas mais simples e mais primitivas. Nesse
estudo, Durkheim se propõe a fundamentar uma teoria das religiões superiores a
partir das formas religiosas primitivas. Utilizando como base o estudo do totemismo,
Durkheim prova que a apreensão da essência de um dado fenômeno social pode
ser obtida através da observação de suas formas mais elementares. E quando
define esse fato social como algo que acontece aleatoriamente à vontade dos
indivíduos, Durkheim mostra que é sempre possível identificar algo típico do
conjunto, quando se analisa o indivíduo. Para completar todo esse processo,
Durkheim utiliza o método Histórico-Comparativo, através do qual torna-se possível
encontrar em formações de grupos sociais do passado, os elementos que
explicam os fatos do presente. O que Durkheim propõe, através desse método, é
identificar fatos sociais que possibilitem uma comparação com o presente, e que
dessa comparação surjam explicações que permitam a formação de conceitos
sociológicos.
No caso específico de suas obras A divisão do Trabalho Social (1982) e O
suicídio (2000), existe a busca de conceitos de “sociedade”, que possam ser
comparados entre si, numa trajetória que tem na moralidade o seu elemento básico.
Desse elemento é que deriva a divisão das sociedades em superiores, mais
modernas, ou mesmo em primitivas – de onde Durkheim parte em seus estudos
para atingir seus propósitos. Ele define as sociedades primitivas como
agrupamentos caracterizados por uma população homogênea de indivíduos, o que
faz da vida uma dinâmica formada por tarefas simples, por uma maior consciência
coletiva, com a presença de códigos que facilitam a convivência entre os seus
integrantes, onde o direito tem o único objetivo de reprimir para a manutenção da
ordem. Exemplo desse tipo de sociedade primitiva é a sociedade tribal.
Quando analisa o suicídio em sua obra que leva esse título, Durkheim parte
da observação dos casos suicidas nas sociedades primitivas como fato social, e
busca categorizá-los. Segundo ele, como nessas sociedades existe uma coesão
social maior, com negação das individualidades, o suicídio que ocorre mais
comumente é aquele que é feito de forma altruísta, ou seja, em que o indivíduo
sacrifica a própria vida em prol do bem estar do grupo. Nessas sociedades, o
conceito de solidariedade é o que mantém os grupos coesos e, para denominar
essa coesão social, Durkheim utiliza o conceito de “Solidariedade Mecânica” ,
levando em consideração que trata-se de uma solidariedade que se repete
automaticamente nesses grupos.
Os indivíduos, na verdade, começam a se diferenciar dentro dos grupos
analisados a partir do momento em que se faz presente o desenvolvimento da
divisão do trabalho e a distribuição de tarefas, pois, além da diversificação que
ocorre no tipo de funções assumidas para o trabalho, também aumenta a variedade
de produtos e os indivíduos passam a depender uns dos outros no processo de
produção. Diante da divisão do trabalho é que Durkheim afirma que esse
desenvolvimento social (como aprofundamento de diferenças e da interdependência
entre os que participam do processo produtivo) gera uma transformação moral na
coesão dos grupos sociais, e eles deixam de se fundar na “Solidariedade Mecânica”, assumindo um aspecto mais funcional, uma nova moralidade: a “Solidariedade
Orgânica”.
Através do aprofundamento cada vez maior da individuação que decorre da
divisão do trabalho, passa a existir a possibilidade de desintegração social e do
surgimento de uma sociedade marcada pela anomia social, onde a lei e a ordem são
constantemente questionadas e contestadas. De acordo com Durkheim, o próprio
Estado passa a ser contestado, quando é atingido um elevado grau de
desagregação social, o que poderia levar a uma ruptura no grupo, bem como o fim
dos vínculos existentes. Mas ele, em sua análise do desenvolvimento do
capitalismo na Europa (séc. XIX a XX), identifica elementos que geram uma
esperança: o surgimento das “corporações profissionais”, organizações criadas
pelos trabalhadores para a defesa da classe. Essas corporações passam a fazer a
mediação moral da desagregação social que se faz presente no período, regulando
as formas de desenvolvimento da moralidade dos grupos sociais, possibilitando o
restabelecimento do papel do Estado, que passa a ter, nos grupos secundários (das
categorias profissionais), o canal de comunicação para a reagrupação. Dessa forma,
Durkheim vai além da transformação pela ruptura, defendendo que, depois dessa
ruptura, é possível – através das organizações classistas - um religamento para a
manutenção da estrutura, embora com características diferenciadas: com sua
coesão interna fundada na formação de novas instituições.
4. O pensamento de Max Weber
Max Weber traz uma produção intelectual e científica direcionada às
análises e interpretações centradas essencialmente na ação. De acordo com sua
teoria, a ação das pessoas dentro das sociedades capitalistas se organizam e
orientam pelo cálculo racional e pela divisão do trabalho na administração
burocrática do Estado. Segundo ele, os indivíduos utilizam uma lógica racional para
se orientarem, tendo como objetivo um fim. Entretanto, essa racionalidade legal não se constitui como forma única de organização social: as sociedades também se
organizam sobre a base do carisma e da tradição - tipos puros de dominação que
exercem influência sobre o tipo de poder, ao lado do poder legal. Todavia, a
racionalidade mais relevante dentro do capitalismo é aquela centrada no poder legal,
e isso se dá em razão da tendência à burocratização da sociedade, nas suas várias
esferas.
Weber, assim como Durkheim, construiu seu trabalho em uma situação
política, moral, econômica e social especifica que caracterizava tanto a Alemanha
quanto a França na segunda metade do século XIX e início do século XX. O objetivo
dos dois era superar, não apenas o conservadorismo romântico, mas o utilitarismo
da economia clássica. Como Karl Marx nascera em período anterior, viveu a
herança do século anterior, com suas transformações. Weber viveu um outro
período, permeado pelos conflitos da I Guerra Mundial. Verdade é que a
modernidade ganhou grande amadurecimento na época em que viveram Marx,
Weber e Durkheim.
No referente a Weber e Durkheim, vale ressaltar que, embora os dois
desenvolvam seus estudos num semelhante período, apresentam abordagens
diferentes sobre as questões apresentadas, a começar pela centralização do
indivíduo na análise das relações humanas. A partir dessa premissa, Weber explica
a formação do social e as suas chances de transformação, considerando essa
transformação como um dado do passado, o que justifica seu estudo. Importante
frisar a maneira como ele aponta o futuro como um caminho onde a transformação
não será mais desejada pelos indivíduos.
Em sua abordagem da ciência das culturas, Weber traz a discussão sobre a
transformação, utilizando uma categoria fundamental para analisar a relação entre
indivíduos: trata-se da categoria da Ação Social. As outras categorias definidas por
ele são assim apresentadas: 1. Ação tradicional (baseada nos costumes, existente
em sociedades nas quais os ritos religiosos estão muito presentes e os elementos
mágicos se evidenciam); 2. Ação afetiva (motivada por sentimentos e emoções);
3.Ação racional relativa a valores (corresponde a ações em que as pessoas se
importam mais com os meios de realização do que propriamente com os resultados
obtidos); 4. Ação racional relativa a fins (ação que, visando atingir determinados objetivos, acaba dando menor importância aos meios como a ação é realizada).
É válido aqui destacar que uma ação dificilmente se enquadra em um tipo
apenas, e que uma ação raramente pode servir de exemplo de perfeição da
descrição oferecida – são tipos ideais. No entanto, a partir desses conceitos, torna-se possível trabalhar com a visão de sociedades e identificar dentro delas as formas
de comportamento das pessoas, de acordo com os tipos estabelecidos. Através
dessa dinâmica, Weber estabelece tipos de sociedades para comparar umas às
outras, com a finalidade de localizar, dentro dessas sociedades, os processos de
transformação – o que proporciona o estabelecimento da noção de mudança social,
em Weber.
Mais especialmente quando trata da sociedade capitalista moderna, Weber
busca apresentar elementos que a distanciam de uma sociedade tradicional.
Segundo ele, enquanto na última prevalece o comportamento irracional, através de
costumes e da magia, a primeira é marcada pela racionalidade até mesmo
burocrática. Em outras palavras, há uma mudança, um processo de racionalização –
e esse é o ponto central, através do qual Weber fala da mudança social: a ideia de
que, quando as sociedades passam do seu estado de tradicionais para a sua fase
de sociedades modernas, os indivíduos se transformam, adotando um tipo de
comportamento mais racionalizado que se torna claro em suas ações.
Weber explica esse processo lançando mão de acontecimentos históricos
para identificar um marco que tenha levado as pessoas à superação do
tradicionalismo em prol do desenvolvimento de sua racionalidade. Segundo ele,
esse grande marco é a Reforma Protestante, através da qual os valores da vocação
e da ascese, tanto quanto da ênfase moral e secular dada pela Igreja ao trabalho
profano, promovem uma transformação radical na ética que rege os indivíduos
dentro da sociedade. Esse momento, para Weber, representa uma grande mudança
social. Mas ele não quer dizer, com isso, que não tenham existido outros elementos
interagindo nesse processo - como, por exemplo, o desenvolvimento da
contabilidade de capital, da constituição da empresa racional unida ao elemento do
trabalho livre, com a benção dos valores da Igreja, ali em transformação. Porém,
para que seja possível analisar os novos comportamentos surgidos, torna-se
necessário lançar mão de um outro elemento, que é a identificação dos tipos de
dominação – que aqui equivalem aos tipos de ação, já que, tanto a ação como a
dominação estão além da vontade dos indivíduos. Dessa forma, derivando um do
outro, os tipos de dominação são os mesmos tipos de ação, ou seja, a dominação
tradicional corresponde exatamente à ação tradicional – mesmo quando imposta de
maneira inconsciente; a dominação carismática se dá através de lideranças que
trabalham o convencimento e a dominação sobre os indivíduos através da confiança
que inspiram; e a dominação legal-burocrático-racional é o tipo de dominação
imposta pela racionalidade.
Todavia, é importante frisar que tais tipos de dominação não ocorrem
isolados dentro de uma sociedade: os tipos se misturam, ocorrendo apenas uma
predominância de um tipo em detrimento de outro. Por exemplo, na passagem da
sociedade tradicional para a moderna, é possível perceber o fortalecimento do
Estado como elemento que estrutura a nova sociedade e sua racionalidade. De
acordo com Weber, até mesmo a democracia pode ser vista como sistema de
dominação, já que torna legítimo o papel do Estado. Ou seja, a dominação racional-legal-burocrática cria condições para se manter a ordem social, e esta é estabilizada
a partir das decisões racionais dos indivíduos. Contudo, Weber assume que essa
racionalidade instituída não aponta soluções para todas as questões sociais, que há
conflitos e divergências que o Estado não é capaz de captar. Por assumir essa
incapacidade, Weber apresenta a necessidade de haver uma humanização nas
decisões de Estado, através do exercício da política, defendendo também o governo
exercido também pelos políticos do parlamento.
O que se pode observar aqui é que, tanto quanto Durkheim, Weber tece um
sistema de relações que torna possível a compreensão de que a sociedade
moderna, apesar de suas instabilidades, propicia a continuidade de
desenvolvimento, através da manutenção das relações estabelecidas. Mesmo diante
de questões problemáticas que requerem solução, Weber defende que é necessário
manter o Capitalismo Moderno como o mais adequado sistema para o bem viver.
5. O objeto sociológico
Para iniciar este tópico que pretende apresentar o objeto de estudo dos três
teóricos, é preciso, primeiramente, deixar claro que a divergência entre Marx, Weber
e Durkheim tem início na própria definição do objeto. Para Durkheim, o objeto é o
fato social, um elemento que, embora presente, é exterior e coercitivo aos
indivíduos, ocorre aleatoriamente à decisão tomada individualmente. Weber, por
outro lado, aponta, como objeto a ser analisado, os elementos típicos das relações
estabelecidas entre as pessoas e o encadeamento das ações desenvolvidas dentro
dessas relações. Ou seja, Weber, diversamente de Durkheim, observa os indivíduos
e suas relações para construir os tipos ideais, que são a base para que se possa
tomar conhecimento da realidade; uma percepção unilateral que, em confronto com
a realidade, torna possível a sua compreensão. Segundo Weber,
A validade objetiva de todo saber empírico baseia-se
única e exclusivamente na ordenação da realidade dada
segundo categorias que são subjetivas, no sentido
específico de representarem o pressuposto do nosso
conhecimento e de associarem, ao pressuposto de que é
valiosa, aquela verdade que só o conhecimento empírico
nos pode proporcionar (WEBER, 1998: 135).
Em outras palavras, Weber aponta que a ciência empírica é incapaz de
esclarecer, sozinha, as coisas que devem ou podem ser feitas – uma visão da qual
Marx se desencontra e se distancia. Marx não se preocupa em definir
sociologicamente a sociedade moderna, ele acredita que é preciso transformá-la. De
acordo com suas palavras, “os filósofos só interpretaram o mundo; trata-se agora de
o mudar” (Marx, 1965), e o objeto da ciência passa a ser a vida humana, bem como
a história de sua produção e reprodução.
Entretanto, na raiz do seu discurso que defende a fundamentação da matéria
humana em seu modo de produção, estão as ideias sobre classes sociais. O
indivíduo não aparece isolado na obra Marx, qualquer indivíduo será visto como
representante de uma classe que ele defende ou renega. Assim, Marx fundamenta
seu pensamento nas relações que estabelecem os grupos sociais, onde o sujeito é
sempre coletivo.
A partir dessa clarificação do objeto em Durkheim, Weber e Marx, torna-se
possível discutir, não apenas as divergências existentes na sua visão do mundo
moderno, mas também os pontos em que eles concordam entre si.
6. A mudança social
Neste tópico será tratada a maneira como os três teóricos percebem o
conceito “mudança social”. Com uma visão norteada pela percepção da sociedade
como o coletivo que há além da vontade do indivíduo (mesmo sendo formada por
ele), Marx e Durkheim explicam o social como conjunto de relações que seguem o
coletivo (definido como sociedade ou grupo social). Ou seja, o social é um conjunto
e não apenas a união de várias partes, tem regras que são reproduzidas no grupo.
A diferença entre a visão dos dois se evidencia na definição das características
desse todo.
Weber, por outro lado, percebe o social como momentâneo, marcado por um
caráter de instabilidade, oferecendo ao cientista não mais que umas poucas pistas
de sua forma, por meio dos tipos ideais. De acordo com ele,
a história das ciências da vida social é, e continuará
a ser, uma alternância constante entre a tentativa de
ordenar teoricamente os fatos mediante uma
construção de conceitos e a composição dos quadros
mentais assim obtidos, devido a uma ampliação e a
um deslocamento do horizonte científico, e à
construção de novos conceitos sobre a base assim
modificada (WEBER, 1998: 131).
Ou seja, para Weber não há regras fixas, mas uma teia de relações entre as
pessoas e esse conjunto não é formado pelos indivíduos apenas mas,
essencialmente, pelas relações estabelecidas entre eles, que se modificam
continuamente de acordo com a realidade histórica. Isso proporciona ao método de
Weber uma maior profundidade no entendimento das relações analisadas, embora
também seja um método com um grau mínimo de previsibilidade em termos do todo
do corpo social. Percebe-se que, tanto na visão de Weber quanto na de Durkheim, o
papel do sociólogo dentro da sociedade é o de buscar a explicação para os
fenômenos, devendo, entretanto, eximir-se de emitir julgamentos. Em suma, o
sociólogo deve apenas apresentar conclusões sobre a pesquisa, mas não deve
apresentar maiores vinculações., deve se colocar de fora da questão que pesquisa.
Nas palavras de Weber,
Uma ciência empírica não pode ensinar a ninguém o
que deve fazer; (…) Somente a partir do pressuposto
de fé em valores tem sentido a intenção de defender
certos valores publicamente. Porém emitir um juízo
sobre a validade de tais valores é assunto da fé, e
talvez também seja tarefa de uma consideração e
interpretação especulativa da vida e do mundo, no
tocante ao seu sentido, mas, certamente, não é tarefa
de uma ciência empírica, no sentido como nós
entendemos (WEBER, 1998: 86).
Durkheim igualmente comenta que, a não ser que o pesquisador não tenha
usado um método rigoroso para as suas investigações, ele não deve se intimidar
com o resultado das suas investigações. De acordo com ele, “Se procurar o paradoxo
é próprio do sofista, evitá-lo, quando imposto pelos fatos, é próprio dos espíritos fracos, ou
sem fé na ciência” (DURKHEIM, 1998: 29).
Contrariamente aos dois, Marx, em vez de buscar compreender a sociedade,
objetiva descobrir os mecanismos que a mantêm. E, para Marx, essa sociedade
também é diferenciada, trata-se da sociedade burguesa organizada pelo modo de
produção capitalista. Outra grande diferenciação do pensamento marxista, em
relação a Weber e Durkheim é que, para Marx, é impossível que um indivíduo, seja
ele cientista ou que exerça qualquer outro papel social, mantenha-se fora na sua
função de analisar o contexto onde está inserido. Segundo Marx, todos, sem
exceção, estão irremediavelmente dentro desse todo que se reproduz e exerce uma
função – ainda que sua função seja não ter função alguma. Para ele, todos,
indistintamente, representam interesses e pertencem a algum segmento social.
Portanto, todos somos representantes de alguma classe e, sendo assim, a intenção
de manter-se isento de opinião, mostrando-se neutro já é, por si só, uma
reafirmação da própria posição de classe, pois para desejar manter a neutralidade é
preciso que se esteja vinculado a interesses da sociedade dominante e que se tenha
noção de que os próprios interesses já estão garantidos. A partir desta
compreensão, fica claro que o posicionamento apenas é necessário para indivíduos
que têm interesses a defender. Para Marx, tanto aquele que se posiciona quanto o
que se mantém neutro, estão, em verdade, tomando uma posição.
Na comparação entre as ideias de Weber e a posição de Marx, não se deve
compreender a posição da neutralidade em Weber como uma posição factível – o
que Weber defende é que a posição de neutralidade deve ser sempre almejada pelo
pesquisador. Em outras palavras, Weber e Marx concordam com o fato de que a
neutralidade não ocorre realmente; o aspecto de discordância reside no ponto
seguinte: enquanto Weber recomenda que a neutralidade seja buscada, na visão de
Marx, buscar essa neutralidade é partir, em verdade, para a defesa dos interesses
da própria burguesia, o que é um tipo de posicionamento.
Todavia, acima dessa primeira questão que envolve a posição do
pesquisador, existem outras que apresentam maior divergência como, por exemplo,
em relação à possibilidade de transformação da sociedade. Nessa questão, Weber e
Durkheim compreendem que, por mais possível que seja a transformação das
relações dentro da sociedade no período atual (ou seja, o período que viviam
quando escreveram suas obras), uma mudança não seria algo desejável entre os
indivíduos, já que o nível de desenvolvimento das relações, tanto na sociedade
moderna de Weber, como na sociedade superior de Durkheim, é visto como
extremamente satisfatório pela sociedade, havendo a possibilidade apenas de
alguns ajustes para o seu aperfeiçoamento.
Um ponto a ser ajustado, segundo Durkheim, seria o desenvolvimento do
sistema de representação das categorias profissionais por um maior número de
corporações. Weber, discordando do posicionamento de Durkheim, aponta como
desnecessária uma maior organização de representação das corporações, já que
seus interesses mostram-se difusos dentro da sociedade. Weber defende a
necessidade de um melhor desenvolvimento dos mecanismos de funcionamento do
Estado, com abertura para que a sociedade exerça um controle sobre eles por meio
de uma representação política. Ele sinaliza a possibilidade de um Estado melhor
estabelecido com o surgimento do Parlamentarismo.
Marx é o único a apresentar a situação das relações sociais no Estado atual
(no contexto de sua obra) como insuficiente para o desenvolvimento do indivíduo.
De acordo com ele, para que essa sociedade seja mantida, é necessária a
existência de mecanismos perversos como, por exemplo, a própria ciência
burguesa. A partir de tais argumentos, Marx aponta a necessidade de o proletariado
tomar o poder, a fim de promover a ruptura com as instituições atuais, já que,
segundo ele, não é possível fazer uma reforma nesse sistema, pois qualquer
reforma será incorporada como melhor meio para a reprodução do capital.
É possível resumir a concepção de Estado para os três teóricos, dizendo que,
para Marx, tal concepção surge a partir da propriedade privada e da divisão social
do trabalho, o Estado é quem cria condições necessárias para o desenvolvimento
das relações capitalistas, funcionando como uma espécie de comitê executivo das
classes dominantes. Durkheim apresenta uma concepção de Estado que,
posicionada acima das organizações comunitárias, apresenta-se voltada para a
coesão social. De acordo com ele, o Estado tem uma função moral sem fins
conceituais ou religiosos, tendo como canal de comunicação a própria imprensa, que
teria a função de intermediar a relação entre governantes e governados. Por último,
Weber traz uma concepção de Estado relacionada ao controle do poder estatal por
uma burocracia militar e civil, ou seja: "Uma relação de homens dominando homens,
mediante violência considerada legítima".
7. Considerações finais
Se, por um lado, as influências marxistas recebidas por Weber levaram-no a
tornar-se um crítico da teoria de Marx e a deixar um legado relevante que acabou
sendo recuperado por sociólogos do século XX, por outro, foi através de Weber que
a sociologia se consagrou como disciplina dotada de métodos rigorosos. A partir de
Weber, a sociologia deixou de ser usada apenas como uma causa políticareformista ou revolucionária, para ser vista como a disciplina responsável por fazer
uma análise científica da sociedade.
Quanto ao pensamento marxista, além da grande contribuição que prestou à
sociologia contemporânea, vale ressaltar que ele nos deixou uma visão humanista
de libertação para o indivíduo que se vê explorado pela dominação política de classe
e pelo capitalismo. Ainda que várias predições de Marx não tenham se cumprido, a
simpatia que uma classe específica de trabalhadores, intelectuais, acadêmicos e
universitários nutrem pelas suas ideias é fato.
Entretanto, é relevante também ressaltar que a irracionalidade e a dominação
de classe que Marx via no capitalismo, era contrariamente percebida por Weber,
que encarava o capitalismo como extremamente racional, principalmente em suas
estruturas burocráticas que se ajustavam perfeitamente ao Estado Moderno. Outro
aspecto em que a visão marxista difere da weberiana é no referente à luta de
classes: enquanto Marx a encara como superação do capitalismo, Weber a percebe
como afirmação da burocracia racional, um tipo de teia que prende atores privados e
agentes públicos que acaba rompendo com a ideia de oposição política irredutível
apresentada por Marx.
Entre os três teóricos, Durkheim se destacou como o primeiro sociólogo
sistemático do século XX: ele criou as bases da sua análise social criteriosamente,
de forma que ela se aproximasse do “cientismo” que estava em vigor na academia.
Seu livro intitulado “As regras do método sociológico” permanece como leitura
obrigatória em todos os cursos de ciências sociais no Brasil e em muitos outros
países, influenciando as teorias sociológicas mais modernas, ainda que seja muito
mais pelo aspecto da metodologia do que propriamente pelas suas interpretações.
Com base na exposição desenvolvida, é impossível defender uma das
abordagens como a mais válida entre outra. O que se buscou aqui foi apresentar a
dialética entre as três correntes sociológicas clássicas e a relação dessas teorias
com os pontos de vista que adotaram, reconhecendo a importância desses três
teóricos para os estudos que se desenvolve no meio acadêmico do século XXI.
8. REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Paulo Roberto de. Mestres fundadores da sociologia: Marx, Weber e
Durkheim. Disponível em: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2011/11/mestresfundadores-da-sociologia-marx.html#sthash.TC1Lip03.dpuf. Consultado em:
30/06/2015
DURKHEIM, Émile As regras do método sociológico. In: OLIVEIRA, Paulo de Salles
(org). Metodologia das Ciências Humanas, São Paulo: Hucitec, 1998
___________ As formas elementares da vida religiosa.: São Paulo: Martins Fontes,
2000.
___________ A Divisão do Trabalho Social . In Coleção: Os Pensadores (Livro II).
São Paulo: Abril Cultural, 1982
___________ O suicídio: estudo de Sociologia. Trad. Monica Stahel. São Paulo:
Martins Fontes, 2000.
FLORENZANO, Modesto. Sobre as origens e o desenvolvimento do Estado
moderno no ocidente. In: Lua Nova: Revista de Cultura e Política, ed. 71, pág. 11-
39. São Paulo, 2007
MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. São Paulo: Civilização
Brasileira, 2001. Livro I. (18ª ed.).
____________ A Ideologia Alemã. Rio de Janeiro: Ed. Global, 1965
QUINTANEIRO, Tania et all. Um toque de clássicos: Marx, Durkheim e Weber. Belo
Horizonte: Ed. UFMG, 2002. 2ª ed.
WEBER, Max . A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. São Paulo: Ed.
Contexto, 1985
OLIVEIRA, Paulo de Salles (org.) A objetividade do conhecimento na ciência social e
na política. In Metodologia das Ciências Humanas. São Paulo : Hucitec/UNESP, 1998.
219p. (Coleção Paideia).
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COMO CITAR ESTE ARTIGO:
NUNES, A. I, C. Marx, Durkheim e Weber: o desenvolvimento do mundo moderno. Disponível em: https://estudosobreocarcere.wixsite.com/idalinacnunes/publicacoes. Acesso em: ....
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* Ana Idalina Carvalho Nunes é mestra em Ciências Sociais (UFJF, 2017), especialista em Filosofia, Cultura e Sociedade (UFJF, 2014), licenciada e bacharela em Filosofia (UFJF, 2012). Escritora com cinco livros publicados, professora de filosofia. Acesse o lattes: http://lattes.cnpq.br/6505495497583167
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