segunda-feira, 17 de junho de 2019

MARX, DURKHEIM E WEBER: O DESENVOLVIMENTO DO MUNDO MODERNO

Por Ana Idalina Carvalho Nunes* 
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1. Introdução 

           O presente artigo tem como objetivo apresentar o desenvolvimento do mundo moderno a partir do pensamento de Marx, Durkheim e Weber, período em que a sociologia se definiu de maneira mais clara como ciência que possibilitaria a solução dos problemas sociais decorrentes da Revolução Industrial. Visando identificar, tanto a percepção dos três teóricos sobre a modernidade com suas convergências e divergências, quanto as contribuições do pensamento de cada um deles para a compreensão do referido período histórico, o breve estudo pretende apresentar as explicações que cada um deles apresenta sobre as mudanças sociais e o Estado, para, posteriormente, apresentar as convergências e discordâncias entre suas ideias. 

2. A ruptura, segundo Karl Marx 

          Buscando romper com a tradição alemã do Hegelianismo, embora utilize suas ideias como referência, Marx busca, através da clarificação dos totais da sociedade capitalista, denunciar as estruturas e abrir frestas para a transformação social. Por ser anterior a Durkheim e a Weber, ele explica as categorias mais complexas da sociedade, tomando como ponto de partida as categorias mais simples. Sob o paradigma coletivista, ele aponta as possibilidades do tempo presente como decorrentes do que se constatou no passado, ou seja, ele assume que as condições de vida de um grupo de pessoas determinam o seu pensamento e a condição que essas pessoas venham a assumir. E esses grupos formados pelos indivíduos são tratados, na teoria de Marx, como categorias representantes de coletivos, classes sociais. 
          De acordo com ele, o sistema capitalista se divide, na sua estrutura, em duas classes que são identificadas através das relações de propriedade. Aqueles que detêm o capital (propriedade que possibilita a produção de forma geral) integram a classe capitalista. Quanto aos que possuem apenas a própria força de trabalho para vender (força de trabalho considerada como mercadoria), formam a classe operária. Ou seja, 

Duas espécies bem diferentes de possuidores de mercadorias têm de confrontar-se e entrar em contato: de um lado, o proprietário de dinheiro, de meios de produção e de meios de subsistência, empenhado em aumentar a soma de valores que possui, comprando a força de trabalho alheia; e, do outro os trabalhadores livres, vendedores da própria força de trabalho e, portanto, de trabalho. Trabalhadores livres em dois sentidos, porque não são parte direta dos meios de produção (...) e porque não são donos dos meios de produção (...). O processo que cria o sistema capitalista consiste apenas no processo que retira ao trabalhador a propriedade de seus meios de trabalho, um processo que transforma em capital os meios de subsistência e os de produção e converte em assalariados os produtores diretos. A chamada acumulação primitiva é apenas o processo que dissocia o trabalhador dos meios de produção (MARX, 2001, p. 828). 

          Para Marx, o surgimento de uma nova organização social sempre vem de uma sociedade anterior, origina-se da reorganização de outras sociedades anteriores, por meio de rupturas muitas vezes violentas. Tal pensamento leva à ideia de que a sociedade capitalista atual teve sua gênese na feudal e esta em outra sociedade que, investigadas uma a uma, levam à origem de todas as sociedades. 
          Segundo Marx (2001, p. 342), sendo a produção para o consumo próprio a fonte de subsistência dos vassalos de campos da Europa no período feudal, o processo violento de expropriação desses pequenos agricultores, empreendido pelos pré-capitalistas, trouxe a acumulação primitiva de capital. A partir de então, os dois tipos de possuidores de mercadorias citados anteriormente passaram a se tornar imprescindíveis para o desenvolvimento das relações capitalistas de produção. Nasceu, assim, um conjunto novo de relações produtivas e de reprodução da vida humana – numa dinâmica que se apresentava diferente do processo anterior, quando parte da população não acessava alguns privilégios em decorrência de situações que envolviam nascimento e família. Nesse novo paradigma, embora com a permanência da exclusão de uma parte da população no acesso a privilégios, as pessoas já não eram excluídas em decorrência da família, mas tendo como ponto de referência as posses acumuladas em termos de capital. 
            A mercadoria, esse é o elemento principal do sistema capitalista, de acordo com Marx. Para ele, toda mercadoria é detentora de um valor de uso, quando se toma como referência o mercado e o valor de troca. Se é útil e desejada, a mercadoria tem o valor de troca e pode ser permutada por outras mercadorias. As mercadorias fundamentais são a moeda (o capital) e a força de trabalho (no caso dessa última, a mercadoria da permuta é o salário). Através da venda de sua força de trabalho, o trabalhador produz mais valor, o que gera uma contradição fundamental, já que a força de trabalho pode ser comprada por um valor e chegar a produzir (valer) mais valor que o pago inicialmente. É a partir dessa contradição que Marx desenvolveu o seu conceito de mais-valia. Tornando-se generalizada a ideia de que a base da sobrevivência das populações são as relações mercantis, instaura-se e se firma a necessidade de vender e comprar mercadorias. 
          De acordo com Marx, a formação e fortalecimento da classe dos possuidores de terras e capitais na Europa (uma classe pré-capitalista), se deu com base na expulsão de trabalhadores das suas terras – sem ter mais onde trabalhar e gerar o seu sustento, eles passaram a buscar trabalho por toda a Europa. Ou seja, um grande número de pessoas que antes sobrevivia do trabalho em suas próprias terras, passou a ser obrigado a viver da sua força de trabalho. E foi através desse processo de troca, em que a compra da força de trabalho tinha um custo menor do que o valor que gerava, que o lucro passou a ser gerado, bem como a acumulação de capital. Houve o acúmulo do valor produzido por muitos, nas mãos de poucos. 
          E o Estado mostrou-se aliado nesse processo de acumulação, servindo como instrumento de classe, oferecendo financiamentos e participando do processo de exploração do trabalho e de maximização dos lucros nas grandes potências industriais. Todo esse processo econômico gera, de acordo com a avaliação de Marx, a exclusão, a desigualdade e uma injustiça social que, se passar a ser observada mais minuciosamente, pode chegar a gerar uma nova ruptura na história humana. Ele previa ali o nascimento de uma sociedade comunista que surgiria da luta dos trabalhadores, assim como a nova sociedade capitalista nascera da sociedade feudal. Entretanto, ele destaca que, enquanto a primeira “ruptura” foi marcada por uma dinâmica violenta de expropriação de muitos por poucos, nesta nova situação seriam poucos os expropriados pelo grande número de trabalhadores unidos como classe. A partir de então, o Estado, instrumento de dominação, deixaria de ser necessário, passando a se desenvolver dentro da sociedade o individualismo livre do trabalho alienado. 
           Marx coloca, assim, a necessidade da luta pelos direitos e interesses da classe trabalhadora e, para que isso se concretize, ele apresenta a importância da organização em partidos, a partir de sua situação econômica de não possuidores de propriedade. Ou seja, o elemento que constituirá sua identidade enquanto classe é essa ausência de propriedade, que fundamenta a sua necessidade de transformar a sociedade, promover a dita “ruptura”. 
         Marx, diferente de Weber e de Durkheim, para explicar as condições sociais do mundo moderno, aponta sempre a “ruptura” como uma necessidade histórica. E a ciência que ele desenvolve se mostra como preocupada em acabar com a alienação de uma classe, cujo papel é o de se rebelar e transformar as relações sociais de produção. 

3. As ideias de Durkheim 
       
          Importante destacar, já no início desta exposição, a importância da noção de “estrutura” em Durkheim, apresentando o indivíduo como um ser social, mas não organizado em classes sociais, como na teoria de Marx. A noção de estrutura em Durkheim está organizada através dos conceitos-chave de “consciência coletiva” e “representação coletiva” – conceitos que são o ponto de partida para a compreensão da teoria elaborada por ele, em que apresenta as especificidades e as justifica como maneira de validar cientificamente a Sociologia como novo saber que propõe explicar e compreender a sociedade, em contraposição a outras ciências como a psicologia, a filosofia e a economia, por exemplo. 
          De acordo com Durkheim, à medida que a consciência coletiva vai se vinculando à moral (moral aqui entendida como educação ou outras formas de se socializar o ser humano), as representações coletivas passam a se conectar à religião (ao sagrado e profano), às representações e concepções de mundo. Segundo ele, não é pela soma das partes que a representação e a consciência coletiva (fatores estruturais da sociedade) são compostas. Para ele, a representação coletiva não é o resultado da soma de todas as representações individuais; pelo contrário, as representações individuais se constroem a partir das representações coletivas das partes. Assim, a objetivação da sociedade em Durkheim se dá através de um tipo de internalização da consciência coletiva de um determinado grupo social. Não há uma consciência coletiva única, cada grupo social tem a sua própria consciência coletiva que, por sua vez, interferem nas organizações sociais, bem como na maneira individual de seus membros se socializarem entre si. 
          Também no aspecto da divisão do trabalho, Durkheim apresenta ideias que se contrapõem ao pensamento de Marx: para o primeiro, a partir da divisão do trabalho a solidariedade é construída. De acordo com Durkheim, os indivíduos envolvidos no trabalho significam a divisão do trabalho como uma especialização fundamental para que a ordem social se estabeleça e se firme e para que também se instaure a solidariedade orgânica (por consenso). Segundo ele, o único obstáculo que pode impedir a instauração dessa solidariedade é a divisão forçada do trabalho, que traz grande prejuízo para a coesão social. 
          Em sua obra O suicídio, de 1897, Durkheim elabora estudo sociológico em que testa a sua teoria, realizando uma ampla pesquisa quantitativa sobre o suicídio, buscando provar que o suicídio, ou mesmo as razões que levam uma pessoa ao suicídio não são de natureza individual, mas de natureza sociológica. Em seu outro livro, publicado em 1912, As formas elementares da vida religiosa, considerado o seu mais importante livro, Durkheim elabora uma teoria geral da religião partindo de análises centradas nas instituições religiosas mais simples e mais primitivas. Nesse estudo, Durkheim se propõe a fundamentar uma teoria das religiões superiores a partir das formas religiosas primitivas. Utilizando como base o estudo do totemismo, Durkheim prova que a apreensão da essência de um dado fenômeno social pode ser obtida através da observação de suas formas mais elementares. E quando define esse fato social como algo que acontece aleatoriamente à vontade dos indivíduos, Durkheim mostra que é sempre possível identificar algo típico do conjunto, quando se analisa o indivíduo. Para completar todo esse processo, Durkheim utiliza o método Histórico-Comparativo, através do qual torna-se possível encontrar em formações de grupos sociais do passado, os elementos que explicam os fatos do presente. O que Durkheim propõe, através desse método, é identificar fatos sociais que possibilitem uma comparação com o presente, e que dessa comparação surjam explicações que permitam a formação de conceitos sociológicos. 
          No caso específico de suas obras A divisão do Trabalho Social (1982) e O suicídio (2000), existe a busca de conceitos de “sociedade”, que possam ser comparados entre si, numa trajetória que tem na moralidade o seu elemento básico. Desse elemento é que deriva a divisão das sociedades em superiores, mais modernas, ou mesmo em primitivas – de onde Durkheim parte em seus estudos para atingir seus propósitos. Ele define as sociedades primitivas como agrupamentos caracterizados por uma população homogênea de indivíduos, o que faz da vida uma dinâmica formada por tarefas simples, por uma maior consciência coletiva, com a presença de códigos que facilitam a convivência entre os seus integrantes, onde o direito tem o único objetivo de reprimir para a manutenção da ordem. Exemplo desse tipo de sociedade primitiva é a sociedade tribal. 
          Quando analisa o suicídio em sua obra que leva esse título, Durkheim parte da observação dos casos suicidas nas sociedades primitivas como fato social, e busca categorizá-los. Segundo ele, como nessas sociedades existe uma coesão social maior, com negação das individualidades, o suicídio que ocorre mais comumente é aquele que é feito de forma altruísta, ou seja, em que o indivíduo sacrifica a própria vida em prol do bem estar do grupo. Nessas sociedades, o conceito de solidariedade é o que mantém os grupos coesos e, para denominar essa coesão social, Durkheim utiliza o conceito de “Solidariedade Mecânica” , levando em consideração que trata-se de uma solidariedade que se repete automaticamente nesses grupos. 
          Os indivíduos, na verdade, começam   a se diferenciar dentro dos grupos analisados a partir do momento em que se faz presente o desenvolvimento da divisão do trabalho e a distribuição de tarefas, pois, além da diversificação que ocorre no tipo de funções assumidas para o trabalho, também aumenta a variedade de produtos e os indivíduos passam a depender uns dos outros no processo de produção. Diante da divisão do trabalho é que Durkheim afirma que esse desenvolvimento social (como aprofundamento de diferenças e da interdependência entre os que participam do processo produtivo) gera uma transformação moral na coesão dos grupos sociais, e eles deixam de se fundar na “Solidariedade Mecânica”, assumindo um aspecto mais funcional, uma nova moralidade: a “Solidariedade Orgânica”.
          Através do aprofundamento cada vez maior da individuação que decorre da divisão do trabalho, passa a existir a possibilidade de desintegração social e do surgimento de uma sociedade marcada pela anomia social, onde a lei e a ordem são constantemente questionadas e contestadas. De acordo com Durkheim, o próprio Estado passa a ser contestado, quando é atingido um elevado grau de desagregação social, o que poderia levar a uma ruptura no grupo, bem como o fim dos vínculos existentes. Mas ele, em sua análise do desenvolvimento do capitalismo na Europa (séc. XIX a XX), identifica elementos que geram uma esperança: o surgimento das “corporações profissionais”, organizações criadas pelos trabalhadores para a defesa da classe. Essas corporações passam a fazer a mediação moral da desagregação social que se faz presente no período, regulando as formas de desenvolvimento da moralidade dos grupos sociais, possibilitando o restabelecimento do papel do Estado, que passa a ter, nos grupos secundários (das categorias profissionais), o canal  de comunicação para a reagrupação. Dessa forma, Durkheim vai além da transformação pela ruptura, defendendo que, depois dessa ruptura, é possível – através das organizações classistas - um religamento para a manutenção da estrutura, embora com características diferenciadas: com sua coesão interna fundada na formação de novas instituições.

4. O pensamento de Max Weber

           Max Weber traz uma produção intelectual e científica direcionada às análises e interpretações centradas essencialmente na ação. De acordo com sua teoria, a ação das pessoas dentro das sociedades capitalistas se organizam e orientam pelo cálculo racional e pela divisão do trabalho na administração burocrática do Estado. Segundo ele, os indivíduos utilizam uma lógica racional para se orientarem, tendo como objetivo um fim. Entretanto, essa racionalidade legal  não se constitui como forma única de organização social: as sociedades também se organizam sobre a base do carisma e da tradição - tipos puros de dominação que exercem influência sobre o tipo de poder, ao lado do poder legal. Todavia, a racionalidade mais relevante dentro do capitalismo é aquela centrada no poder legal, e isso se dá em razão da tendência à burocratização da sociedade, nas suas várias esferas.
       Weber, assim como Durkheim, construiu seu trabalho em uma situação política, moral, econômica e social especifica que caracterizava tanto a Alemanha quanto a França na segunda metade do século XIX e início do século XX. O objetivo dos dois era superar, não apenas o conservadorismo romântico, mas o utilitarismo da economia clássica. Como Karl Marx nascera em período anterior, viveu a herança do século anterior, com suas transformações. Weber viveu um outro período, permeado pelos conflitos da I Guerra Mundial. Verdade é que a modernidade ganhou grande amadurecimento na época em que viveram Marx, Weber e Durkheim.
            No referente a Weber e Durkheim, vale ressaltar que, embora os dois desenvolvam seus estudos num semelhante período, apresentam abordagens diferentes sobre as questões apresentadas, a começar pela centralização do indivíduo na análise das relações humanas. A partir dessa premissa, Weber explica a formação do social e as suas chances de transformação, considerando essa transformação como um dado do passado, o que justifica seu estudo. Importante frisar a maneira como ele aponta o futuro como um caminho onde a transformação não será mais desejada pelos indivíduos.
           Em sua abordagem da ciência das culturas, Weber traz a discussão sobre a transformação, utilizando uma categoria fundamental para analisar a relação entre indivíduos: trata-se da categoria da Ação Social. As outras categorias definidas por ele são assim apresentadas: 1. Ação tradicional (baseada nos costumes, existente em sociedades nas quais os ritos religiosos estão muito presentes e os elementos mágicos se evidenciam); 2. Ação afetiva (motivada por sentimentos e emoções); 3.Ação racional relativa a valores (corresponde a ações em que as pessoas se importam mais com os meios de realização do que propriamente com os resultados obtidos); 4. Ação racional relativa a fins (ação que, visando atingir determinados objetivos, acaba dando menor importância aos meios como a ação é realizada).
           É válido aqui destacar que uma ação dificilmente se enquadra em um tipo apenas, e que uma ação raramente pode servir de exemplo de perfeição da descrição oferecida – são tipos ideais. No entanto, a partir desses conceitos, torna-se possível trabalhar com a visão de sociedades e identificar dentro delas as formas de comportamento das pessoas, de acordo com os tipos estabelecidos. Através dessa dinâmica, Weber estabelece tipos de sociedades para comparar umas às outras, com a finalidade de localizar, dentro dessas sociedades, os processos de transformação – o que proporciona o estabelecimento da noção de mudança social, em Weber.
           Mais especialmente quando trata da sociedade capitalista moderna, Weber busca apresentar elementos que a distanciam de uma sociedade tradicional. Segundo ele, enquanto na última prevalece o comportamento irracional, através de costumes e da magia, a primeira é marcada pela racionalidade até mesmo burocrática. Em outras palavras, há uma mudança, um processo de racionalização – e esse é o ponto central, através do qual Weber fala da mudança social: a ideia de que, quando as sociedades passam do seu estado de tradicionais para a sua fase de sociedades modernas, os indivíduos se transformam, adotando um tipo de comportamento mais racionalizado que se torna claro em suas ações.
           Weber explica esse processo lançando mão de acontecimentos históricos para identificar um marco que tenha levado as pessoas à superação do tradicionalismo em prol do desenvolvimento de sua racionalidade. Segundo ele, esse grande marco é a Reforma Protestante, através da qual os valores da vocação e da ascese, tanto quanto da ênfase moral e secular dada pela Igreja ao trabalho profano, promovem uma transformação radical na ética que rege os indivíduos dentro da sociedade. Esse momento, para Weber, representa uma grande mudança social. Mas ele não quer dizer, com isso, que não tenham existido outros elementos interagindo nesse processo - como, por exemplo, o desenvolvimento da contabilidade de capital, da constituição da empresa racional unida ao elemento do trabalho livre, com a benção dos valores da Igreja, ali em transformação. Porém, para que seja possível analisar os novos comportamentos surgidos, torna-se necessário lançar mão de um outro elemento, que é a identificação dos tipos de dominação – que aqui equivalem aos tipos de ação, já que, tanto a ação como a dominação estão além da vontade dos indivíduos. Dessa forma, derivando um do outro, os tipos de dominação são os mesmos tipos de ação, ou seja, a dominação tradicional corresponde exatamente à ação tradicional – mesmo quando imposta de maneira inconsciente; a dominação carismática se dá através de lideranças que trabalham o convencimento e a dominação sobre os indivíduos através da confiança que inspiram; e a dominação legal-burocrático-racional é o tipo de dominação imposta pela racionalidade.
           Todavia, é importante frisar que tais tipos de dominação não ocorrem isolados dentro de uma sociedade: os tipos se misturam, ocorrendo apenas uma predominância de um tipo em detrimento de outro. Por exemplo, na passagem da sociedade tradicional para a moderna, é possível perceber o fortalecimento do Estado como elemento que estrutura a nova sociedade e sua racionalidade. De acordo com Weber, até mesmo a democracia pode ser vista como sistema de dominação, já que torna legítimo o papel do Estado. Ou seja, a dominação racional-legal-burocrática cria condições para se manter a ordem social, e esta é estabilizada a partir das decisões racionais dos indivíduos. Contudo, Weber assume que essa racionalidade instituída não aponta soluções para todas as questões sociais, que há conflitos e divergências que o Estado não é capaz de captar. Por assumir essa incapacidade, Weber apresenta a necessidade de haver uma humanização nas decisões de Estado, através do exercício da política, defendendo também o governo exercido também pelos políticos do parlamento. 
          O que se pode observar aqui é que, tanto quanto Durkheim, Weber tece um sistema de relações que torna possível a compreensão de que a sociedade moderna, apesar de suas instabilidades, propicia a continuidade de desenvolvimento, através da manutenção das relações estabelecidas. Mesmo diante de questões problemáticas que requerem solução, Weber defende que é necessário manter o Capitalismo Moderno como o mais adequado sistema para o bem viver.

 5. O objeto sociológico

           Para iniciar este tópico que pretende apresentar o objeto de estudo dos três teóricos, é preciso, primeiramente, deixar claro que a divergência entre Marx, Weber e Durkheim tem início na própria definição do objeto. Para Durkheim, o objeto é o fato social, um elemento que, embora presente, é exterior e coercitivo aos indivíduos, ocorre aleatoriamente à decisão tomada individualmente. Weber, por outro lado, aponta, como objeto a ser analisado, os elementos típicos das relações estabelecidas entre as pessoas e o encadeamento das ações desenvolvidas dentro dessas relações. Ou seja, Weber, diversamente de Durkheim, observa os indivíduos e suas relações para construir os tipos ideais, que são a base para que se possa tomar conhecimento da realidade; uma percepção unilateral que, em confronto com a realidade, torna possível a sua compreensão. Segundo Weber,

 A validade objetiva de todo saber empírico baseia-se única e exclusivamente na ordenação da realidade dada segundo categorias que são subjetivas, no sentido específico de representarem o pressuposto do nosso conhecimento e de associarem, ao pressuposto de que é valiosa, aquela verdade que só o conhecimento empírico nos pode proporcionar (WEBER, 1998: 135).

           Em outras palavras, Weber aponta que a ciência empírica é incapaz de esclarecer, sozinha, as coisas que devem ou podem ser feitas – uma visão da qual Marx se desencontra e se distancia. Marx não se preocupa em definir sociologicamente a sociedade moderna, ele acredita que é preciso transformá-la. De acordo com suas palavras, “os filósofos só interpretaram o mundo; trata-se agora de o mudar” (Marx, 1965), e o objeto da ciência passa a ser a vida humana, bem como a história de sua produção e reprodução.
           Entretanto, na raiz do seu discurso que defende a fundamentação da matéria humana em seu modo de produção, estão as ideias sobre classes sociais. O indivíduo não aparece isolado na obra Marx, qualquer indivíduo será visto como representante de uma classe que ele defende ou renega. Assim, Marx fundamenta seu pensamento nas relações que estabelecem os grupos sociais, onde o sujeito é sempre coletivo. 
          A partir dessa clarificação do objeto em Durkheim, Weber e Marx, torna-se possível discutir, não apenas as divergências existentes na sua visão do mundo moderno, mas também os pontos em que eles concordam entre si.

 6. A mudança social

           Neste tópico será tratada a maneira como os três teóricos percebem o conceito “mudança social”. Com uma visão norteada pela percepção da sociedade como o coletivo que há além da vontade do indivíduo (mesmo sendo formada por ele), Marx e Durkheim explicam o social como conjunto de relações que seguem o coletivo (definido como sociedade ou grupo social). Ou seja, o social é um conjunto e não apenas a união de várias partes, tem regras que são reproduzidas no grupo. A diferença entre a visão dos dois se evidencia na definição das características desse todo.
           Weber, por outro lado, percebe o social como momentâneo, marcado por um caráter de instabilidade, oferecendo ao cientista não mais que umas poucas pistas de sua forma, por meio dos tipos ideais. De acordo com ele,

 a história das ciências da vida social é, e continuará a ser, uma alternância constante entre a tentativa de ordenar teoricamente os fatos mediante uma construção de conceitos e a composição dos quadros mentais assim obtidos, devido a uma ampliação e a um deslocamento do horizonte científico, e à construção de novos conceitos sobre a base assim modificada (WEBER, 1998: 131).

           Ou seja, para Weber não há regras fixas, mas uma teia de relações entre as pessoas e esse conjunto não é formado pelos indivíduos apenas mas, essencialmente, pelas relações estabelecidas entre eles, que se modificam continuamente de acordo com a realidade histórica. Isso proporciona ao método de Weber uma maior profundidade no entendimento das relações analisadas, embora também seja um método com um grau mínimo de previsibilidade em termos do todo do corpo social. Percebe-se que, tanto na visão de Weber quanto na de Durkheim, o papel do sociólogo dentro da sociedade é o de buscar a explicação para os fenômenos, devendo, entretanto, eximir-se de emitir julgamentos. Em suma, o sociólogo deve apenas apresentar conclusões sobre a pesquisa, mas não deve apresentar maiores vinculações., deve se colocar de fora da questão que pesquisa. Nas palavras de Weber, 

Uma ciência empírica não pode ensinar a ninguém o que deve fazer; (…) Somente a partir do pressuposto de fé em valores tem sentido a intenção de defender certos valores publicamente. Porém emitir um juízo sobre a validade de tais valores é assunto da fé, e talvez também seja tarefa de uma consideração e interpretação especulativa da vida e do mundo, no tocante ao seu sentido, mas, certamente, não é tarefa de uma ciência empírica, no sentido como nós entendemos (WEBER, 1998: 86).

          Durkheim igualmente comenta que, a não ser que o pesquisador não tenha usado um método rigoroso para as suas investigações, ele não deve se intimidar com o resultado das suas investigações. De acordo com ele, “Se procurar o paradoxo é próprio do sofista, evitá-lo, quando imposto pelos fatos, é próprio dos espíritos fracos, ou sem fé na ciência” (DURKHEIM, 1998: 29).
           Contrariamente aos dois, Marx, em vez de buscar compreender a sociedade, objetiva descobrir os mecanismos que a mantêm. E, para Marx, essa sociedade também é diferenciada, trata-se da sociedade burguesa organizada pelo modo de produção capitalista. Outra grande diferenciação do pensamento marxista, em relação a Weber e Durkheim é que, para Marx, é impossível que um indivíduo, seja ele cientista ou que exerça qualquer outro papel social, mantenha-se fora na sua função de analisar o contexto onde está inserido. Segundo Marx, todos, sem exceção, estão irremediavelmente dentro desse todo que se reproduz e exerce uma função – ainda que sua função seja não ter função alguma. Para ele, todos, indistintamente, representam interesses e pertencem a algum segmento social. Portanto, todos somos representantes de alguma classe e, sendo assim, a intenção de manter-se isento de opinião, mostrando-se neutro já é, por si só, uma reafirmação da própria posição de classe, pois para desejar manter a neutralidade é preciso que se esteja vinculado a interesses da sociedade dominante e que se tenha noção de que os próprios interesses já estão garantidos. A partir desta compreensão, fica claro que o posicionamento apenas é necessário para indivíduos que têm interesses a defender. Para Marx, tanto aquele que se posiciona quanto o que se mantém neutro, estão, em verdade, tomando uma posição.
            Na comparação entre as ideias de Weber e a posição de Marx, não se deve compreender a posição da neutralidade em Weber como uma posição factível – o que Weber defende é que a posição de neutralidade deve ser sempre almejada pelo pesquisador. Em outras palavras, Weber e Marx concordam com o fato de que a neutralidade não ocorre realmente; o aspecto de discordância reside no ponto seguinte: enquanto Weber recomenda que a neutralidade seja buscada, na visão de Marx, buscar essa neutralidade é partir, em verdade, para a defesa dos interesses da própria burguesia, o que é um tipo de posicionamento.
           Todavia, acima dessa primeira questão que envolve a posição do pesquisador, existem outras que apresentam maior divergência como, por exemplo, em relação à possibilidade de transformação da sociedade. Nessa questão, Weber e Durkheim compreendem que, por mais possível que seja a transformação das relações dentro da sociedade no período atual (ou seja, o período que viviam quando escreveram suas obras), uma mudança não seria algo desejável entre os indivíduos, já que o nível de desenvolvimento das relações, tanto na sociedade moderna de Weber, como na sociedade superior de Durkheim, é visto como extremamente satisfatório pela sociedade, havendo a possibilidade apenas de alguns ajustes para o seu aperfeiçoamento.
           Um ponto a ser ajustado, segundo Durkheim, seria o desenvolvimento do sistema de representação das categorias profissionais por um maior número de corporações. Weber, discordando do posicionamento de Durkheim, aponta como desnecessária uma maior organização de representação das corporações, já que seus interesses mostram-se difusos dentro da sociedade. Weber defende a necessidade de um melhor desenvolvimento dos mecanismos de funcionamento do Estado, com abertura para que a sociedade exerça um controle sobre eles por meio de uma representação política. Ele sinaliza a possibilidade de um Estado melhor estabelecido com o surgimento do Parlamentarismo.
          Marx é o único a apresentar a situação das relações sociais no Estado atual (no contexto de sua obra) como insuficiente para o desenvolvimento do indivíduo. De acordo com ele, para que essa sociedade seja mantida, é necessária a existência de mecanismos perversos como, por exemplo, a própria ciência burguesa. A partir de tais argumentos, Marx aponta a necessidade de o proletariado tomar o poder, a fim de promover a ruptura com as instituições atuais, já que, segundo ele, não é possível fazer uma reforma nesse sistema, pois qualquer reforma será incorporada como melhor meio para a reprodução do capital.
           É possível resumir a concepção de Estado para os três teóricos, dizendo que, para Marx, tal concepção surge a partir da propriedade privada e da divisão social do trabalho, o Estado é quem cria condições necessárias para o desenvolvimento das relações capitalistas, funcionando como uma espécie de comitê executivo das classes dominantes. Durkheim apresenta uma concepção de Estado que, posicionada acima das organizações comunitárias, apresenta-se voltada para a coesão social. De acordo com ele, o Estado tem uma função moral sem fins conceituais ou religiosos, tendo como canal de comunicação a própria imprensa, que teria a função de intermediar a relação entre governantes e governados. Por último, Weber traz uma concepção de Estado relacionada ao controle do poder estatal por uma burocracia militar e civil, ou seja: "Uma relação de homens dominando homens, mediante violência considerada legítima". 

7. Considerações finais 

          Se, por um lado, as influências marxistas recebidas por Weber levaram-no a tornar-se um crítico da teoria de Marx e a deixar um legado relevante que acabou sendo recuperado por sociólogos do século XX, por outro, foi através de Weber que a sociologia se consagrou como disciplina dotada de métodos rigorosos. A partir de Weber, a sociologia deixou de ser usada apenas como uma causa políticareformista ou revolucionária, para ser vista como a disciplina responsável por fazer uma análise científica da sociedade. 
          Quanto ao pensamento marxista, além da grande contribuição que prestou à sociologia contemporânea, vale ressaltar que ele nos deixou uma visão humanista de libertação para o indivíduo que se vê explorado pela dominação política de classe e pelo capitalismo. Ainda que várias predições de Marx não tenham se cumprido, a simpatia que uma classe específica de trabalhadores, intelectuais, acadêmicos e universitários nutrem pelas suas ideias é fato.
           Entretanto,  é relevante também ressaltar que a irracionalidade e a dominação de classe que Marx via no capitalismo, era contrariamente percebida por Weber, que encarava o capitalismo como extremamente racional, principalmente em suas estruturas burocráticas que se ajustavam perfeitamente ao Estado Moderno. Outro aspecto em que a visão marxista difere da weberiana é no referente à luta de classes: enquanto Marx a encara como superação do capitalismo, Weber a percebe como afirmação da burocracia racional, um tipo de teia que prende atores privados e agentes públicos que acaba rompendo com a ideia de oposição política irredutível apresentada por Marx.
          Entre os três teóricos, Durkheim se destacou como o primeiro sociólogo sistemático do século XX: ele criou as bases da sua análise social criteriosamente, de forma que ela se aproximasse do “cientismo” que estava em vigor na academia. Seu livro intitulado “As regras do método sociológico” permanece como leitura obrigatória em todos os cursos de ciências sociais no Brasil e em muitos outros países, influenciando as teorias sociológicas mais modernas, ainda que seja muito mais pelo aspecto da metodologia do que propriamente pelas suas interpretações.
          Com base na exposição desenvolvida, é impossível defender uma das abordagens como a mais válida entre outra. O que se buscou aqui foi apresentar a dialética entre as três correntes sociológicas clássicas e a relação dessas teorias com os pontos de vista que adotaram, reconhecendo a importância desses três teóricos para os estudos que se desenvolve no meio acadêmico do século XXI. 

8. REFERÊNCIAS 

ALMEIDA, Paulo Roberto de. Mestres fundadores da sociologia: Marx, Weber e Durkheim. Disponível em: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2011/11/mestresfundadores-da-sociologia-marx.html#sthash.TC1Lip03.dpuf. Consultado em: 30/06/2015 

DURKHEIM, Émile As regras do método sociológico. In: OLIVEIRA, Paulo de Salles (org). Metodologia das Ciências Humanas, São Paulo: Hucitec, 1998

___________ As formas elementares da vida religiosa.: São Paulo: Martins Fontes, 2000. 

___________ A Divisão do Trabalho Social . In Coleção: Os Pensadores (Livro II). São Paulo: Abril Cultural, 1982 

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QUINTANEIRO, Tania et all. Um toque de clássicos: Marx, Durkheim e Weber. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2002. 2ª ed. 

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COMO CITAR ESTE ARTIGO:

NUNES, A. I, C. Marx, Durkheim e Weber: o desenvolvimento do mundo moderno. Disponível  em: https://estudosobreocarcere.wixsite.com/idalinacnunes/publicacoes. Acesso em: ....


RECOMENDAÇÃO:
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* Ana Idalina Carvalho Nunes é mestra em Ciências Sociais (UFJF, 2017), especialista em Filosofia, Cultura e Sociedade (UFJF, 2014), licenciada e bacharela em Filosofia (UFJF, 2012). Escritora  com cinco livros publicados,  professora de filosofia. Acesse o lattes:   http://lattes.cnpq.br/6505495497583167


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